BRUNA TORLAY丨Falácias evidentes, chavões consolidados

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Desde que apontei o ridículo de se debater com pompa e gravidade os livros de A. Dugin, os quais servem, todos, a propósitos políticos escancarados pelo filósofo Olavo de Carvalho há mais de uma década, tenho observado respostas dos humilhados e ofendidos em várias redes sociais, todas elas chavões que se repetem, ainda que não passem de falácias evidentes.

A principal consiste em tomar por premissa exclusiva de análise o fato de o mundo estar dividido entre globalistas e inimigos dos globalistas, restando a todo indivíduo que respire sobre a terra só poder trabalhar para um, ao não endossar o outro. Curiosamente, isso só vale para quem despreza Putin, Dugin e o eurasianismo. Esses só podem ser agentes globalistas altamente remunerados pelas perversas fundações internacionais. Não é possível, segundo essa primeira falácia, rejeitar Putin e entender que a Rússia busca anexar territórios específicos por interesse interno, sem estar ao lado dos globalistas perversos.

O segundo chavão é a condenação do “americanismo”. É curioso como a proibição tradicionalmente esquerdista de acatar federalismo, economia de mercado, subsidiariedade e esforço de respeito a direitos fundamentais tenha agora ganhado adesão de alguns conservadores. De repente, o presidente do PCO se tornou o exemplo maior de lucidez política, e Aldo Rebelo, o modelo absoluto de defesa da soberania. Ambos têm em comum um apreço público e aberto por Putin, além de um endosso sereno a teses de Dugin, cuja ideologia propalam em seu meio de influência. Segundo esse pessoal, só pode ser chamado de “conservador” quem bate palmas ao esquerdista tradicionalmente estimado pelos militares brasileiros e ao líder do Partido da Causa Operária, tradicionalmente comunista. Porque ambos são tradicionalmente alguma coisa. E se você não se ajoelha ao altar da tradição, só pode rezar para a deusa razão do atlantismo destrutivo liderado pelos EUA. Traz-me lembranças de faculdade, quando ouvia os chefes de diretório acadêmico clamarem morte a Bush e ao espírito colonial demoníaco dos EUA; ou a certeza da sra. Marilena graúna Chauí quanto ao envolvimento da CIA na contra-revolução de 1964.

Enquanto isso, brasileiros cansados de perder patrimônio pra um Estado sanguessuga cogitam mudar-se para os EUA, com o único objetivo de não ser sistematicamente extorquidos, ou conseguir comprar uma casa, criar e conservar patrimônio com uma dose de liberdade — sem a obrigação de prestar contas ao Estado a cada transação realizada com um terceiro. Porque, na prática, os brasileiros que olham para os EUA como saída são, em geral, pessoas que sabem fazer dinheiro, mas não querem depender de esquemas com políticos corruptos para salvar a maior parte dos frutos de seu trabalho.

Não que seja impossível enriquecer no Brasil. Não é. Mas a quantidade de burocracia, a complexidade do sistema tributário e a instabilidade monstro no campo jurídico tornam difícil construir algo sólido sem a) ter o Estado como sócio, ou b) fazer amigos no Estado para livrar-se da sociedade forçada via benefícios adquiridos por gambiarras legais. Em síntese, ou se perde parte razoável do que se ganha, ou se cria maneiras nem sempre morais de evitar que o Estado cobre sua parte na sociedade forçada.

Não existe americanismo no Brasil; mas existem pessoas que SABEM que os EUA são um ambiente mais propício a geração de riqueza que o Brasil. Já anti-americanismo, existe e é forte, além de mais velho que andar para trás. Só não tinha um esquema de divulgação abrangente a ponto de enganar católicos entusiasmados com o distributismo de Chesterton — o qual, aliás, seria mais praticável nos EUA, onde se discute subsidiariedade, que na Rússia, modelo do Estado centralizador que vive por si e para si.

O segundo chavão é de uma falsidade absurda, e se complementa pela falácia de que “é mais urgente preocupar-se com o globalismo que com o diminuto eurasianismo”, quando a preocupação com o globalismo marcou dois anos de discussão, durante a pandemia, entre conservadores, e volta e meia se manifesta quando agentes empurram a agenda na surdina; e a preocupação com o eurasianismo beira a irrelevância, sendo manifesta por alguns gatos-pingados (eu, por exemplo) inconformados em ver algo tão parecido com o globalismo ser tido, por alguns jumentos, como a salvação contra o próprio globalismo. Fato é que estamos vacinados contra o globalismo, a tal ponto que a mobilização contra a redefinição do princípio de dignidade humana por um ministro pró-agenda 2030 foi ampla e imediata, servindo de amparo para alguns parlamentares perdidos tomarem atitudes visando frear a sanha eugenista da mentalidade globalista.

Daí se vê a mentira do primeiro chavão: que apontar a falácia do eurasianismo como salvação contra o globalismo seja o mesmo que apoiar o segundo. É de uma estupidez monstruosa, e ainda assim há quem endosse essa porcariada com orgulho, ou não perceba que comentários recheados de chavões dessa espécie são no mínimo suspeitos. Ou são pecinhas de propaganda, repetidas por gente sem personalidade alguma, quando não mal-intencionada mesmo; ou é exibicionismo de analfabetismo funcional grave.

Mas o problema, para esse pessoal, se resume ao inaceitável “americanismo” do filósofo Olavo de Carvalho, cuja obra permanece vigorosa o bastante para ajudar qualquer um a entender que o eurasianismo é a nova roupagem do antigo esquema de poder russo — cuja infelicidade maior, até o presente, foi não ter salvado nem o próprio povo, muito menos nações burramente associadas aos sonhos dourados da estepe.

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