BRUNA TORLAY丨 Elizabeth II e o dever da monarquia

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Na última quinta-feira, 8 de setembro de 2022, morreu Elizabeth II, última Windsor que honrou a coroa desde quando seu pai foi obrigado a assumi-la, em 1936. O fascínio pela vida privada da família real inglesa rendeu, além de muito dinheiro a tabloides de fofocas, pelo menos dois filmes extraordinários e uma série por meio da qual todo mundo entende o que é o peso da coroa — que no fundo se resume a um sincero e constante exercício do dever.

Em virtude do bicentenário da independência do Brasil, eu mal publicara um longo comentário explicando a origem e especificidade da Imperatriz Leopoldina, visando mostrar o caráter do aristocrata talhado para governar, quando recebi a notícia do falecimento de Elizabeth II, monarca que eu apreciava pela precisa capacidade de sacrifício que demonstrou ao longo da vida. Mas esse atributo não permeava sua dinastia. Do tio que abdicou para casar-se violando as regras da realeza à irmã rebelde; do filho envolto em escândalos com a ex-amante (e atual esposa… agora rainha) ao neto pródigo e pouco discreto, Elizabeth II não viveu abrigada por outros exemplos de abnegação e respeito sincero à tradição da monarquia. Daí o valor ímpar de seus méritos.

Costumo usar o termo “aristocracia” de forma positiva. Aristos, do grego, significa “o melhor”. De que serve a um povo um governante incapaz de ser melhor que ele próprio? De que têm nos servido governantes tão parecidos com aqueles parentes destituídos da sagacidade própria aos maiores políticos que o mundo viu atuar? A monarquia é um sistema de governo, mesmo na moderna versão constitucional, que obriga o símbolo maior do poder, o rei, a ser um exemplo de conduta a seu povo. Talhar-se conforme o dever para inspirar auto respeito à nação; eis o papel do monarca. Em outras palavras, decoro. Quem não consegue notar que Elizabeth II agiu precisamente consoante essa tradição, e ao longo da vida inteira, não entende nada de política, nem de coroa, nem de dever.

Platão tem um diálogo chamado Político, ou sobre a realeza. O objetivo da conversa ali encenada é definir o que torna um governante digno desse nome. Os escritos chamados “Espelhos de príncipes”, cuja tradição remonta ao século XIII, pelo menos, retomam com frequência o centro da descrição platônica, e essas obras moldaram, por séculos, a educação das aristocracias europeias. O comportamento resultante desse tipo de educação é o que nós percebemos como “o peso da coroa”, o qual Elizabeth II suportou magistralmente, enquanto sua família esbanjava provas de incapacidade na tarefa.

Um septuagenário Charles III assumiu o trono. Quem comemora com sinceridade o prêmio de grego de uma Camila rainha-consorte? Não terá sido o primeiro rei pouco digno da coroa a sentar no trono do Reino-Unido. Mas certamente será difícil defender a dignidade da monarquia num século em que seu prestígio decai, sob o empenho silencioso e funesto das ideologias grosseiras que tudo prometem, menos um governante em carne e osso que se digne a conter as fraquezas mais comuns a fim de mostrar, diariamente, um sincero senso de responsabilidade e dever para com o próximo.

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