É possível estar certo, mesmo estando completamente errado. Esta semana, deparei-me com um exemplo disso fornecido por Roger Baigorra Machado no texto A Nobreza da Cidade. Confesso que fiquei furioso ao ler o artigo, pois se trata de uma crítica direta e absolutamente infundada sobre a minha mãe.
Minha mãe, para os que não sabem, tem mais de sessenta anos, já passou por dois cânceres, sobreviveu a três filhos, e tem negócios próprios para cuidar. Poderia muito bem ter ficado na dela, tratando da fazenda, aproveitando a vida, curtindo os netos, etc. Porém, preferiu aceitar um convite para concorrer ao cargo de vice-prefeita de Uruguaiana/RS. É sobre a campanha eleitoral que o tal texto trata.
Por que alguém que já passou por tanto, que não deve nada para ninguém, resolve passar pelo desgaste físico, mental, e espiritual de uma campanha política, tornando-se alvo para difamação e outras agressões, e ainda correndo o risco de assumir a responsabilidade pela administração de toda uma cidade?
“Paulo, a nobreza obriga.” Foi só o que minha mãe me disse ao me ver bravo com o artigo publicado no Facebook. Para mim, foi mais uma lição de vida de quem já me ensinara tanto. Nessa hora, entendi tudo. A resposta da minha mãe, curta e simples, foi uma aula completa.
No texto, o autor busca ironizar a campanha de Stella Luzardo e de minha mãe, Chica Tellechea, à prefeitura de Uruguaiana. Segundo ele, a chapa remete à série “Downton Abbey” e a “decadência da nobreza”. Pois, na tentativa de atacar as candidatas, Roger acabou trazendo plenamente à tona o que a chapa significa.
“In vino veritas” diziam os romanos; “a verdade está no vinho”. Pois foi pelo vinho que o autor chegou à verdade. Ainda que por vias tortas, como o caminhar de um bêbado. Foi pelo vinho que tanto a demofilia que Roger buscava demonstrar acabou totalmente ofuscada por sua plutofobia quanto à importância da nobreza que ele tentava rechaçar terminou por revelar-se por completo.
O texto começa comentando um programa que critica o descaso com um investimento público de mais de milhão de reais para o desenvolvimento de vinicultura no município. Para o autor, são irrelevantes o desperdício de dinheiro público, a perda de uma oportunidade de integrar uma zona afastada com o resto da cidade, a falta de geração de emprego e renda para os mais pobres. Todos temas tratados no programa. Para Roger, o importante é o prazer que ele sente em ver os ricos sem vinho.
O autor talvez não saiba ou apenas finja ignorância, mas os ricos da cidade tomam vinho; esse mesmo “vinho de Libres” que ele próprio admite indiretamente tomar. Ironicamente, aliás, ele demonstra saber mais de tipos de uva que muita gente tida como importante na cidade. Pois bem, se os ricos já tomam vinho, a diferença para eles em ter ou não ter vinho produzido em Uruguaiana é zero. A diferença, como a Stella e a Chica afirmam, é para a cidade.
Outra ironia da contraditória demonstração de desprezo pelo vinho de um conhecedor de uvas e aparente apreciador do “vinho de Libres” é que, historicamente, o vinho é ligado à sociabilidade, à fraternidade, e à amizade. No Cristianismo, o vinho é o sangue de Cristo, cujo amor a todos nos uniu. O vinho é um símbolo de igualdade.
Ao renegar o vinho e se opor à nobreza representada pela chapa da Stella e da Chica, o autor lhes nega a comunidade. Para ele, elas não importam e ponto. São desiguais. Uma pena, pois, se para o autor, as candidatas são estrangeiras; para elas, ele é um igual. Somos todos uruguaianenses, e Uruguaiana está “Acima de Tudo”; principalmente daquilo que nos torna diferentes.
O fato é que Roger Baigorra Machado, como concidadão uruguaianense e independentemente de sua opinião sobre as candidatas, importa para elas. “Vidas de Bacharéis em História de Esquerda Importam”, afinal. Como não importaria? Qualquer pessoa com nobreza de espírito entende isso. Nobreza é, sim, uma virtude.
Segundo o dicionário Priberam, “nobreza” é a qualidade do que é “nobre”. Por sua vez, “nobre” é sinônimo de “excelente”, “honroso”, “elevado”. Portanto, uma “nobreza decadente” trata-se de um oxímoro. É impossível haver uma “nobreza não-nobre”, uma “nobreza sem nobreza”. Trata-se de uma contradição. É uma classe indigna do termo. O que é, não sei, mas nobreza não é.
Uruguaiana realmente sofre com uma classe que deveria se responsabilizar pelo bem comum, mas se omite. Nisso, o autor acertou em cheio. Foi justamente para enfrentar esse problema da “não-nobreza” da cidade que Stella e Chica se candidataram. O objetivo é mostrar que “a nobreza obriga”; que temos um dever para com os nossos próximos e para com a comunidade.
É dever de cada um de nós, uruguaianenses, de nascimento ou por adoção, de ajudarmos uns aos outros, inclusive e principalmente “os uruguaianenses comuns, os uruguaianenses sem estirpe, sem terras e sem um chá das 17h para chamar de seu”, para que tenhamos uma vida digna e honrada em comunidade. É dever de cada um de nós tornarmo-nos nobres.
O que aprendi com a minha mãe é que a “Nobreza da Cidade” se encontra na alma de todos os uruguaianenses. Nossa obrigação é exercê-la.
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene – Uruguaiana, 30 de outubro de 2020