VITOR MARCOLIN | Itinerário

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Passageiro-cliente

A entrada da estação Consolação localiza-se a cerca de 50 passos da saída do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. É automático. Sigo o fluxo dos pedestres que, em horário de pico, aflui da Paulista e de suas adjacências para o subsolo. O metrô é um reflexo melhorado daquilo que o mundo da superfície aspira ser: rápido, metódico, eficiente. Compro o bilhete e uno-me aos outros passageiros na fila. Dizem que o comportamento do paulistano nas filas, corredores, escadas rolantes e acessos é exemplar: direita livre. Sempre. Só um estrangeiro desinformado ousaria quebrar tal dogma. Outro fato curioso: é com dignidade que ouço a voz onipresente do alto-falante chamar o passageiro de “cliente”. Mas esta troca de substantivos só acontece na Linha 4 Amarela, a privatizada.

Vencida a catraca e um lance de escadas, chega-se à plataforma que oferece, em ambos os lados, duas opções de itinerário: Vila Madalena e Vila Prudente. Eu passo. Atravesso o túnel da Paulista — que é uma sutil ladeira para aqueles que voltam a casa depois do trabalho —, e, novo lance de escadas, túnel à direita, à esquerda… Nova plataforma com duas outras opções: Vila Sônia e Luz. Como tenho de descer em Pinheiros a fim de fazer baldeação, não há dúvida. Sigo para a Vila Sônia. Na estação Pinheiros, o sujeito, agora novamente chamado de “passageiro”, tem uma experiência pitoresca: o local é uma enorme cratera aberta à margem norte do rio Tietê, da qual a única forma emocionante de emergir é entrando na fila das escadas rolantes. A outra forma, sem um pingo de emoção, é encafuar-se no elevador. O que será que D. Pedro II ou Santos Dumont diria de uma coisas dessas?

É evidente que o extraordinário de um itinerário ordinário são as pessoas. Observá-las — de soslaio, pelo menos — pode ajudar a entender o que elas fazem quando não estão sentadas ou, o que é mais comum, de pé no metrô. O que pensam sobre os ministros do STF? Que tipo de comentários teceriam sobre a postura do atual presidente? Que livros leriam se tivessem coragem de sair de casa sem celular? Que religião praticam? São de direita ou de esquerda? Em quem votaram para prefeito? O que sabem sobre Mecânica Quântica? Põem fé no mapa astral? Carregam isqueiro Zippo no bolso? Já estiveram na Serra do Rio do Rastro? Vão usar o banheiro assim que chegarem a casa? Quais dramas carregam no peito? O passageiro-cliente é um mistério inabarcável.

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