SANTO CONTO | O resgate de Mateus

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Conto baseado no relato da jornada de Santo André, da Cítia à Etiópia, para salvar o companheiro São Mateus 

André vinha andando pela praia quando viu atracado um barco que até há pouco não estava lá. Não deu importância e continuou. Estava com a cabeça fervilhando, voltava de uma pregação bem-sucedida, não muito antes acabara de batizar uma multidão de pagãos. O trabalho estava só começando, ele sabia. Era preciso instruir e instituir discípulos e auxiliares, estabelecer a sede da Igreja local, angariar recursos, um sem-número de grandes e pequenas coisas.

Ia pensando em todos aqueles afazeres e pendências, e seus detalhes, quando o Anjo lhe apareceu:

– André!

Na hora ele soube quem era, prostrou-se por terra.

– André, levanta, vem e me segue, vamos, não há tempo!

Ergueu-se com o coração disparado como da vez em que as línguas de fogo desceram do céu, ou quando o Mestre apareceu, todo iluminado, naquela manhã, depois de ter morrido. O Anjo se adiantou enquanto já o ia conduzindo para o barco:

– Mateus, precisa de ti, André. Está em grande perigo. Vai e o salva. Eu te conduzirei.

André não titubeou, alçou vela e deixou o barco seguir para onde o Anjo o conduzisse. Ele não era mais visível, mas o Apóstolo sabia que estava ali, a guiar a viagem.

Foram quilômetros e mais quilômetros pelo mar, mas o Apóstolo não via as horas passarem. Os tantos dias em que rumou pelas águas, sentiu como se fossem algumas horas.  O tempo todo orava e pensava em Mateus, desde quando haviam se conhecido, nos tempos das pregações do Mestre, até o dia em que se separaram para cada um seguir seu trabalho em diferentes direções. Lembrava como um filme do rosto assustado daquele publicano quando o Mestre o olhou nos olhos e o chamou pelo nome. E o homem simplesmente deixou tudo para trás e O seguiu. Um homem corajoso, Mateus. Que perigo estava correndo? Onde estava? E, se era tão longe, por que precisava justo da sua ajuda, e não de outro irmão que talvez estivesse mais próximo? Mas André sabia que não lhe cabiam aqueles questionamentos. Deixou o Anjo fazer trabalho e seguiu orando, até adormecer.

Na última noite, enquanto dormia, sequer se deu conta da tempestade que havia desabado. Quando acordou, seco, o barco já havia atracado, e havia pães e peixes ali para ele. Orou, comeu, desembarcou e, em terra, o Anjo se fez visível de novo:

– Vem, temos muito o que caminhar!

Seguiu-o calado, que ia a passo firme e apressado. Perdeu a noção do tempo outra vez, concentrado em suas orações ou entretido com seus pensamentos.  Despertou com a voz do companheiro celeste:

– Já estamos perto.

Aí ele sentiu as dores e o cansaço da viagem, a fome (há quanto tempo não comia?), a sede. Mas o Anjo o amparou com mais alimento e água, e uma noite de sono.

Na manhã seguinte, foi uma caminhada curta mesmo, coisa de minutos e estavam diante de uma cabana:

– Ele está ali – o Anjo apontava – vai e não tenhas medo.

Foi. Homens de pele escura, fortes, munidos de lanças, guardavam a cabana, mas quando André se aproximou, viram a sombra do Anjo atrás dele, amedrontaram-se, curvaram-se e deram passagem. Lá dentro estava Mateus, em oração. No chão, muito sangue. Seu corpo estava todo lacerado e seus olhos haviam sido arrancados. Mas reconheceu o amigo:

– André!

Os dois sorriram e se abraçaram, André chorou ao ver o amigo naquele estado. Ajoelharam-se e rezaram. Quando se levantaram, as feridas de Matheus estavam curadas e seus olhos restituídos. Ele e André brilhavam, como lhes acontecia às vezes, e deles rescendia um perfume incomum.

Quando saíram da cabana, havia toda uma multidão de pessoas de pele escura a aguardá-los. Olhavam os Apóstolos com um misto de pavor e reverência. Ali estava um novo rebanho a quem os dois teriam alguma dificuldade em explicar que não eram deuses. Depois, haveria muito trabalho a ser feito: as pregações, os ensinamentos, os batismos, a instrução e instituição dos discípulos e auxiliares, o estabelecimento da sede da Igreja local, o angariamento de recursos, um sem número de grandes e pequenas coisas.


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