SANTO CONTO | O recebedor de Deus

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado no Evangelho de São Lucas e nas visões da Beata Anna Catharina Emmerich

I

Quem avaliasse o velho Simeão por sua figura, não diria dele grande coisa. Um sacerdote muito idoso, magro e seco, com uma pequena barba, discreto, trajando uma longa veste preta e muito simples, semelhante a uma batina, o que o deixava muito parecido com um desses padres mais piedosos de hoje. Entre seus pares no Templo de Jerusalém, jamais se destacara. Mas Deus, que conhecia seu coração e sua imensa piedade, tinha-o entre os primeiros e nutria grande amor por ele.

Pois bem. Naquela tarde lá estava Simeão num quarto escuro e silencioso, profundamente imerso em suas orações, quando foi surpreendido por um facho de luz vindo do teto. Em segundos o lugar estava todo iluminado, e um Anjo apareceu diante dele:

– Não tenhas medo, Simeão, filho de Israel. O Espírito do Senhor é contigo, e Ele aqui me enviou para anunciar-te: não morrerás antes que vejas o Cristo de Deus, que já chegou a este mundo. Amanhã, atenta-te à primeira criança que será trazida para apresentação no Templo. Estarás diante do Filho de Deus, e então tua alma em breve há de deixar este mundo.  

Sumiu-se então o mensageiro celeste, deixando o velho sacerdote em êxtase por longo tempo. Quando ele voltou a si, já era noite. Correu para casa com o coração inundado de alegria e comunicou à sua esposa a boa nova. Ela, mulher piedosa, abraçou-o maravilhada, e eles oraram juntos, dando graças ao Senhor.

II

Na manhã seguinte, Simeão já esperava ansioso no Templo, quando viu chegar, num jumento, uma linda jovem trazendo ao colo uma bebê nascido havia pouco, embalado em uma manta. Ao lado do jumentinho, vinha a pé o pai da criança, homem simples mas de postura firme, e dentro dele o velho sacerdote pôde ver um coração piedoso. Na jovem, ele viu uma alma pura e imaculada, e um coração fulgurante, repleto de piedade, que o comoveu. Também viu, acima daquela família, um coro de Anjos que os acompanhava, em júbilo constante. Olhou para o embrulho que a moça trazia ao colo e pensou: “É Ele!”. Então, quebrando o protocolo do Templo, correu em direção aos três e os recebeu calorosamente.  

III

Simeão havia acabado de pegar em seus braços o pequeno, e pudera vê-Lo em todo Seu resplendor, um bebê que irradiava a luz do Céu. Ficara tão maravilhado que quase errou o caminho para o salão onde a criança seria apresentada, mas agora ali estava, paramentado com vestes cerimoniais que lhe dava a dignidade e a nobreza de um Cardeal. Recitava as escrituras de um pergaminho colocado ao seu lado, enquanto abençoava o menino e as oferendas trazidas por seu pai – pombos, frutas e peças de ouro –, que estavam à sua frente.

O tempo todo ele via o corpo do bebê irradiando aquele brilho intenso de quando o vira pela primeira vez, assim como a multidão dos anjos em festa que o acompanhavam. No entanto, quando terminou as orações, viu que do céu descia sobre o pequeno uma luz ainda mais intensa. Olhou então para cima e, para seus olhos, não havia mais teto sobre o templo: estava olhando diretamente para o esplendor do Céu. Fechou os olhos, dando graças, e, quando os abriu, o teto estava lá novamente, mas aquela luz se espalhava por todo o salão. Tomou a criança nos braços outra vez e, antes que a devolvesse à jovem mãe, louvou a Deus:

Podeis agora, Senhor deixar partir em paz o Vosso servo, segundo Vossa palavra, porque meus olhos viram Vossa Salvação, que preparastes em favor de Vosso povo, como luz sobre todas as nações, e para a glória do povo de Israel!

Os pais do bebê olhavam-no admirados. Ele então devolveu o pequeno aos braços da mãe e, olhando-a nos olhos, disse:

Este menino está destinado a ser causa de ruína e de ressurgimento de muitos em Israel, e há de ser signo de contradições. E uma espada trespassará a tua alma!

A jovem escutou aquilo com pesar. Naquele momento, sentiu que de fato uma espada atravessava seu coração, causando-lhe uma dor aguda e profunda. O velho sacerdote pôde então ver a espada que se cravava em seu coração, e dela se compadeceu, carregando um pouco daquela dor consigo.

IV

Naquela noite, Simeão tinha o coração tão cheio de alegria, que não pôde dormir. Ficou a orar madrugada adentro. Antes que o primeiro raio de sol entrasse pela janela, o Anjo apareceu-lhe novamente:

– Sê bendito, Simeão, recebedor de Deus! Tua missão neste mundo está cumprida. Descansa agora, e vem.

Pela manhã, quando a esposa do sacerdote encontrou seu corpo caído, repousando diante do oratório, ele não aparentava ser um cadáver. Parecia estar dormindo, e ostentava um sorriso beatífico. Ela compreendeu tudo e, de joelhos, deu graças ao Senhor.


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