Baseado nas visões da Beata Ana Catarinna Emmerich, e dedicado à pequena Helena, nascida no último dia 8
I. A consolação
Joaquim orava no deserto, triste. Lamentava o fato de jamais ter sido gerado um filho de seu casamento. Já eram vinte anos daquela união estéril, e de sol a sol ele trabalhava sob olhares apiedados ou maliciosos. Havia sempre alguém que o maldissesse pelas costas, ou que comentasse baixinho, compadecido, sobre aquela sua “maldição”. E nas tantas ocasiões em que pescava este ou aquele cochicho, seu coração doía.
Naquela mesma hora sua esposa Anna também orava, e sobre a mesma matéria. Ela estava debaixo de uma árvore no jardim de sua casa, e seu estado era mais triste e desolado. Chorava curvada. Mas então, uma brisa soprou sobre as folhas e ela escutou uma voz que a consolou:
– Não chores mais, mulher, e dá graças ao Senhor. Ele escutou tuas preces e as atendeu. Hoje ainda, da união de ti e teu esposo Joaquim, uma criança será concebida.
Anna então levantou o corpo e viu que a voz vinha de um Anjo que se despedia.
Naquele instante, a mesma brisa soprava no deserto, e Joaquim escutava aquela mesma voz:
– Cessa, teus lamentos, Joaquim, filho de Matat. O Senhor escutou tuas preces e as atendeu. Vai agora à tua casa, onde te espera tua esposa Anna, e a ela te une. De vossa união será concebida uma criança.
O ancião, sem mais, correu para casa.
II. A luz do alto
Era madrugada e Anna completava sua décima sétima semana de gestação. Acordou com o coração acelerado, sentindo-se em êxtase. Em seguida, ali no escuro, um feixe de luz incidiu do alto sobre seu ventre e, pela primeira vez, ela sentiu a criança mover-se. Seu útero estava todo iluminado, e aquela luz espalhou-se por todo o quarto, fazendo com que Joaquim, que dormia um sono pesado, também acordasse. Ele olhou para o ventre da esposa e ali viu uma pequena forma humana, iluminada, aninhar-se dentro de um tabernáculo que se abria para acolhê-la. O casal então prostrou-se e, depois, erguendo as mãos aos céus, os dois louvaram a Deus e rezaram juntos.
III. A chegada
Dias antes, Anna avisou a Joaquim que a hora estava próxima. Ele enviou a maior parte de seus servos e parentes aos pastos mais distantes, permanecendo naquele mais próximo de casa, onde deixou poucas parentas mais íntimas junto com a esposa.
Numa noite em que ele estava no pasto, Anna sentiu que a hora chegara e a anunciou às três primas que lhe faziam companhia no quarto. As quatro se abraçaram e juntas cantaram em ação de graças: “Louvado seja o Senhor Deus; Ele mostrou misericórdia ao Seu povo e redimiu Israel cumprindo a promessa que deu a Adão no Paraíso; e a descendência da mulher há de esmagar a cabeça da Serpente”.
As mulheres estavam repletas de júbilo, e todas recebiam uma luz que emanava do ventre de Anna; ela, em êxtase, ainda disse: “A florescência da vara de Adão se aprimorou em mim”. Foi então conduzida ao seu leito pelas primas, sempre entoando hinos de louvor e graças. A luz que circundava seu corpo, então, tomou a forma da sarça ardente do Monte Horeb, e já não se podia ver Anna. Naquele momento, suas parentas se prostraram com seus rostos no chão e oraram.
Não se sabe dizer o quanto aquilo durou. Durante esse tempo, a criança foi apresentada no Céu diante da Santíssima Trindade, e então a toda a multidão celeste, que festejou jubilosa. Naquele momento, um Anjo levou a boa nova aos patriarcas no limbo, e também houve grande júbilo, especialmente por parte de Adão e Eva. Todos davam graças pelo cumprimento da promessa de Deus, e aquele lugar, a partir de então, ficou muito mais cheio de luz e leveza.
Naquela hora, também, houve grande agitação entre a natureza na terra, no mundo animal, e todas as pessoas de bom coração sentiram uma enorme alegria. Mas os pecadores empedernidos, os ímpios e os filhos das trevas sentiram-se angustiados, oprimidos por medo e tristeza. Muitos possessos foram curados, e os demônios que os assediavam foram arremessados com fúria de volta ao inferno, sufocados e cegos. Um deles, ainda no corpo que possuía, o fez correr ao alto do Templo, de onde gritou:
– Eu devo sair, nós todos devemos sair! Uma virgem nasceu, e há Anjos demais espalhados pela terra, e eles estão nos atormentando! Nós todos devemos sair!
Naquele momento, enfim, todas as coisas mudavam neste mundo e em todo o Universo. A terra era outra, os oceanos, o céu, os peixes, as aves, as feras, tudo. Cada grão de areia, em cada átomo, nada era mais o mesmo. Em nenhuma parte houve indiferença àquela hora gloriosa.
Depois disso, o fogo que envolvia o corpo de Anna fluiu-lhe para dentro, e então ouviu-se um choro de bebê.
IV. Maria!
As primeiras luzes do dia entravam pela janela. Anna segurara em seus braços a menina mais bonita do mundo. Suas parentas, as servas e todos na casa davam graças aos Céus. No alto do quarto, um coro de Anjos festejava.
Naquele momento, Joaquim chegou do campo. Ajoelhou-se ao lado da cama e chorou. Suas lágrimas caíram sobre a criança, que ele ergueu nos braços, enquanto recitava as Escrituras:
– Um renovo sairá do tronco de Jessé, e um rebento brotará de suas raízes. E sobre ele repousará o Espírito do Senhor!
Olhou bem para a menina em seus braços e, com os olhos ainda cheios de lágrimas, disse:
– Maria!
Depois, devolveu a pequena ao colo de Anna, e envolveu as duas num abraço.