SANTO CONTO | A língua

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado no martírio de São Romão de Antioquia

Romão pregava a uma pequena multidão em Antioquia quando os soldados chegaram com porretes e lanças debelando o povo. Quem não fugiu, apanhou ou morreu ali mesmo, mas a ordem do governador era clara: o alvo era aquele maldito mago hipnotizador que convertia as massas com suas pregações maliciosas e suas mentiras sobre o rebelde agitador Cristo, morto havia mais de trezentos anos, porém perigosamente vivo no espírito do povo. Romão deveria ser levado vivo para o interrogatório.

Vivo, mas não intacto. Foi conduzido sob muita pancada, chegou ao palácio do governo todo escoriado, com um talho aberto na testa, o nariz e costelas quebrados e um dos olhos fechado, muito sangue correndo, mas sem parar de pregar um minuto. Enfureceu o juiz e o governador durante o interrogatório, deixou-os desorientados. O juiz queria logo mandar degolá-lo, mas o governador o deteve, tinha uma ideia melhor para fazer do prisioneiro um exemplo.

Empurraram-no até uma sacada de onde se via nova multidão se formando lá fora, todos clamando por Romão e bendizendo o nome de Cristo, sem se importar com as represálias dos soldados. O governador gritou lá de cima para o povo, pedindo atenção. A um gesto seu, um dos soldados que seguravam Romão abriu-lhe a boca com uma das mãos, e, com a outra, com a habilidade de quem já havia feito aquilo muitas vezes, com um golpe rápido de adaga cortou fora sua língua. O sangue espirrou e escorreu, foi fazendo uma poça ali mesmo no chão enquanto o prisioneiro se curvava de dor.

Aquilo durou alguns segundos. Em seguida, Romão endireitou-se. De sua boca ensanguentada saiu uma pregação ainda mais contundente, e cada uma de suas palavras podiam ser escutadas com nitidez para muito além do palácio, das multidões lá fora, e mesmo dos limites de Antioquia, atingindo em cheio um sem-número de consciências. O soldado que segurava sua língua decepada deixou cair no chão a adaga e escutava petrificado o discurso, tanto que não ouviu a ordem que o governador lhe repetia pela terceira vez. Só despertou do transe quando a cabeça do prisioneiro rolou chão abaixo pelo golpe da espada de um colega. No entanto, continuou com as palavras de Romão ainda por horas em sua mente, e aquele nome, Cristo, não saía de seus pensamentos. Naquela noite mesmo, levando consigo a língua decepada do mártir, que continuava corada e viva, iria se encontrar com outros soldados e oficiais impressionados pela pregação e Romão. Não muito tempo depois, iriam todos eles reencontrar no Céu o bendito pregador.


DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor