“Não imanentizeis o Escathon” (Eric Voegelin – paráfrase)
INTRODUÇÃO
Ideologia é o antônimo de filosofia. Quando se perde noção disso, perdemos a capacidade de entender o que é ideologia e distingui-la daquilo que não é ideologia.
Como “ideologia” é um termo corrente no trato da política, é fundamental acabar com essa confusão – se não, a própria comunidade política fica fragilizada diante das verdadeiras ideologias; e isso é um perigo! Como estamos em pleno processo eleitoral, creio ser bastante pertinente tratar desse tema.
Ideologia quando referente à política é “ideologia política”. Aquilo que esquecemos e precisamos relembrar é que “opinião política” e “posição política” são distintas de “ideologia política”. Aquelas podem ou não ser ideologizadas. Porém, na linguagem quotidiana são todas tratadas como sendo sinônimas; impedindo a diferenciação entre uma mera posição política de uma ideologia.
IDEOLOGIA E FILODOXIA: OPOSIÇÃO À FILOSOFIA
Um termo equivalente à ideologia é “filodoxia”. Ambas se opõem à filosofia, pois enquanto essa é definida como “amor ao saber”, aquelas amam outras coisas. A filodoxia é “amor à opinião”, e ideologia é “amor à idéia”.
Filosofia é viver (agir, pensar) em abertura à Verdade. No entanto, o ideólogo e o filódoxo, em oposição ao filósofo, vivem fechados à Verdade. O filódoxo passa apegado à sua opinião; toma a sua opinião como se fosse a Verdade. O ideólogo toma sua idéia como se fosse a Verdade. É nesse sentido que o filódoxo e o ideólogo são iguais.
Por ideologia devemos entender como sendo a substituição de Deus – da Verdade – por uma idéia.* Quando tal substituição se refere a uma idéia [ou opinião] de Bem Comum, tem-se uma ideologia política.
A confusão se dá pelo fato de que quem se porta [seja consciente ou inconscientemente] como um filósofo (homem maduro, aristocrata) também tem idéias e opiniões. Não é aqui que reside a diferença. A diferença está em não confundir tais idéias e opiniões com a Verdade que se deseja encontrar. O homem maduro tem os outros como companheiros na busca pela Verdade, estando livre e disposto a mudar de idéia, a aprimorar sua opinião, com a ajuda desses.
O IDEÓLOGO POLÍTICO
Se discernir um ideólogo de um filósofo não é fácil, a tarefa, ao menos, é simples.
O ideólogo político:
– apresenta sua idéia de Bom Comum como um ideal de perfeição a ser encontrado e a usa como base para sua opinião sobre os temas políticos em debate;
– tem horror a perguntas e repele o contraditório; e
– crê-se como encarnação do Bem e tem aqueles que se opõem à sua idéia como manifestações do Mal.
CONCLUSÃO
Em suma, o ideólogo, no fundo, deseja o fim da política. Se o ideólogo conseguisse o que deseja, não haveria mais necessidade de debates e eleições – enfim, de tudo aquilo que permite uma sociedade ser, de fato, democrática. Tal contradição é a marca fundamental de uma ideologia política. Ao fim e ao cabo, essa é essencialmente anti-política.
Por fim, ressalte-se que cair em ideologia é algo que pode ocorrer com qualquer um. Não há idéia, opinião, e posição políticas incapazes de serem ideologizadas. É preciso estar sempre atento para evitar cair em tal tentação.
Os melhores antídotos contra ideologia são humildade e philia; são o amor a Deus e ao próximo.
* Cuidado! Existem ideologias religiosas. Há ateus que não são ideólogos, e crentes que o são. Os ateus escapam da ideologia ao agir de maneira oposta ao ideólogo. Grosso modo, esses ateus substituem uma idéia por Deus; chamando Deus por outro nome. Já os crentes que caem em ideologia substituem Deus por uma idéia de Deus. Contudo, isso é tema para uma outra coluna.
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Acabei de me dar conta que o antônimo de “ideologia” é “teologia” – no sentido dado no “debate” entre o Agostinho e o Varrão. [Nota: é “debate” entre aspas porque o pobre do Varrão já estava morto quando o Agostinho lhe responde.]
A minha definição de “ideologia” acima deixa óbvia essa dicotomia, mas eu só percebi agora.
Se eu me lembro bem, segundo Agostinho, haveria 3 teologias: civil, natural, e sobrenatural. A civil seria a esfera da política; a natural, das ciências; e a sobrenatural, da fé.
Eric Voegelin usa “teologia civil”, como Agostinho. Carl Schmitt usa “teologia política”, mas é a mesma coisa.