POLITICALHA | ‘Terceiras Vias Políticas’ ou ‘Sobre Ginetes e Jóqueis’

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

As súplicas correntes por “terceira vias” políticas no Brasil são sintomáticas do período de anormalidade que atravessamos atualmente. Contudo, quem diz que gostaria de ver o surgimento de uma “terceira via” política no Brasil usa o termo equivocadamente. A tal “terceira via” já existe e é liderada pelo atual presidente, Jair Bolsonaro.

Em realidade, quem hoje clama por “terceira via”: ou sonha com o aparecimento de uma “quarta via” – algo ainda tão ou mais improvável que o surgimento de uma terceira; ou deseja um retorno às duas “vias” que tínhamos anteriormente. Para entendermos por que é assim e por que quem pensa assim se equivoca, precisamos compreender tanto o que é uma “terceira via” quanto o atual momento político nacional.

Como o poder político é dividido entre um governo (força que detém o poder) e uma oposição (força que almeja assumir o poder), a política eleitoral, de disputa de poder, sempre tende a dois. Frise-se, não é que as forças políticas sejam necessariamente duas ou, pior, que se deva estabelecer um bipartidarismo forçado, por lei. Não é isso.

Por “tender a dois”, entenda-se, simplesmente, que em condições normais os diversos grupos políticos de uma comunidade vão cada vez mais se reunindo em blocos maiores até que duas forças principais passam a dominar o cenário eleitoral. No Brasil, mesmo com o nosso multipartidarismo atual, a dinâmica se repete.

Nos 21 anos entre 1994 e 2014, houve seis eleições para a presidência da República do Brasil. Em comum a todas essas, há o fato de os mesmos dois partidos terem sempre terminado nas duas primeiras posições: PSDB e PT.

Por duas décadas, as duas principais alternativas, as duas vias eleitoralmente viáveis nos pleitos presidenciais brasileiros foram PT e PSDB. Considerando apenas os primeiros turnos, esses dois partidos somados só fizeram menos de 75% dos votos válidos uma única vez em 2002 (69,6%); chegando a compartilhar 90,2% em 2006.

Portanto, com a “normalização” da Constituição de 1988, estabeleceu-se uma dicotomia política no Brasil entre dois pólos opostos liderados respectivamente por PSDB e PT. Esse cenário muda com o surgimento de uma “terceira via” em 2018 – a candidatura vitoriosa de Jair Bolsonaro à presidência.

“Terceiras vias” surgem fora da normalidade. Elas aparecem quando o consenso político sobre quem deva disputar o poder dentro de uma comunidade enfraquece, e as principais forças políticas deixam de ser representativas das divisões internas existentes.

Ausência de normalidade incomoda. Pior, a expectativa de que tal experiência possa se tornar o “novo normal” é angustiante. São esses sentimentos que provocam os clamores por alternativas. É natural ter saudade da normalidade perdida ou ansiar por uma normalidade “normal”.

Todavia, é preciso estar-se ciente de que:

(a) uma volta ao consenso anterior é muito improvável – se não, impossível;
(b) períodos de transição são naturalmente turbulentos, porém temporários;
(c) períodos de normalidade nunca são semelhantes aos períodos de transição que, fatalmente, os precedem e os seguem; e, finalmente,
(d) a qualidade e a duração dos períodos de normalidade estão intimamente relacionados.

Portanto, as razões das angústias, ainda que compreensíveis, não se justificam. A atual situação política é decorrente do fim de uma época. Estamos diante do desafio de estabelecer uma era nova na política nacional. Contudo, essa nova normalidade só será possível com o estabelecimento de um novo consenso.

Quem julga o governo Bolsonaro pelas medidas de normalidade comete uma injustiça. A atual administração federal é, tecnicamente, algo mais próximo de um desgoverno. Afinal, vê-se obrigada a agir dentro de regras feitas dentro da lógica de um consenso do qual não participa; pior, sendo um governo eleito justamente por negá-lo. Bolsonaro não foi eleito para ser normal, mas para romper com a normalidade até então vigente.

Guardadas as devidas proporções, é como julgar um ginete de rodeio com a mesma régua que um jóquei de carreira. Afinal, os dois montam cavalos. Porém, o jóquei cavalga um ser treinado que lhe reconhece a autoridade. Já o ginete está sobre um animal xucro que tenta com todas as forças livrar-se dele. O ginete não tem controle algum sobre a besta com a qual ele tenta lidar.

Da mesma forma que o ginete, só o que Bolsonaro pode fazer é permanecer firme no bicho até esse cansar; é isso ou cair. Essa é a medida para julgamento. O trabalho do ginete, assim como o do presidente, seria mais simples, se o cavalo reconhecesse rapidamente que a situação é inescapável.

O cavalo permitindo que seja guiado, isto é, quando um novo consenso é estabelecido, a necessidade de ser montado por um ginete desaparece. A “terceira via” deixa de ser terceira, para tornar-se uma das duas principais. É nesse momento que os jóqueis podem correr.

Como política tende a dois, “terceiras vias” bem-sucedidas acabam tomando o lugar de, ou sendo cooptada por, uma das duas vias anteriores. Não apenas isso, mas a “terceira via” também acaba por modificar o outro pólo. A nova relação, não sendo mais a mesma da era anterior, acaba forçando a força opositora a ajustar-se – sendo aqui que uma “quarta via” poderia emergir, para tornar-se o outro pólo da disputa de poder.

Quem não se sentia representado no consenso anterior até pode não se sentir representado por Bolsonaro, mas é a presença de Bolsonaro que estabelece a oportunidade para que tal representação seja possível. Logo, trata-se de uma mudança em si bem-vinda.

Agora, é uma questão de trabalhar-se para que a mudança seja tanto efetiva quanto positiva.


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