CINEMA丨O que “Não Olhe para Cima” poderia ser, mas não foi

Ian Maldonado
Ian Maldonadohttps://auroraprime.com.br/
Ian Maldonado é cineasta e documentarista, responsável pela produtora Aurora Entretenimento e sua plataforma de streaming, a Aurora Prime. Diretor de 'Lockdown: Uma História de Desinformação e Poder' e editor ou colorista de vários outros. Esgrimista de tolices nas horas vagas.

“O problema é o ar de soberba que paira sobre [o filme]”

Acabou 2021, mas Don’t Look Up continua sendo um dos principais assuntos na internet, em almoços de família e nas rodinhas por aí. Por esse motivo, estou aqui, mais uma vez, tentando colaborar com algo nessa discussão de alguma forma, ainda que irrite alguns — minha função, na verdade, é essa.

Muitos o consideraram fantástico, mas acho realmente difícil chegar a alguma conclusão: até agora não sei se o filme é ruim ou apenas sem graça, apesar de ter algumas coisinhas interessantes, como a montagem, que faz com que tudo fique mais próximo da nossa realidade, com um caráter quase documental: cortes rápidos, imagens do cotidiano, pessoas assistindo aos telejornais e simplesmente vivendo suas vidas, sequência de fotos e vídeos durante um dos lançamentos — uma das partes mais bem feitas do filme, aliás — ou pequenas inserções em que são mostradas as mais variadas formas de vida na Terra e tudo aquilo que supostamente estaríamos abrindo mão.

Na minha opinião, a intenção era realmente transmitir ao público a sensação de que “a história estaria sendo feita diante de nossos olhos” — ignorando o fato, claro, de que trata-se de uma analogia às “mudanças climáticas”, aos “negacionistas” (vide COVID) e toda essa conversa mole. Nesse ponto o filme realmente cumpre seu papel.

Se eu gostei da montagem, o que me incomodou, afinal? Bem, quase tudo, infelizmente, e não é por falta de senso de humor de minha parte, acredite. Digo, se o filme se apresentasse como uma sátira besteirol, provavelmente eu o teria adorado. O problema é o ar de soberba que paira sobre Não Olhe para Cima — basta analisar, em geral, o público que mais gostou do filme: precisamente aquele com o menor senso de humor —, que pretensiosamente se lança como “sátira política inteligentinha que dará lição de moral em todos”.

É curioso, entretanto, que o público mais atraído pelo filme, composto majoritariamente por paladinos defensores da ciência, não tenha se enxergado nele, tampouco percebido como, ao longo da trama, o Dr. Randall (personagem de Leonardo DiCaprio) — comparado pela própria esquerda tuiteira à figura nauseante de Átila Iamarino — é cooptado e se vende, passando a defender a missão da BASH em troca de fama e alguns trocados de publicidade.

A cena final, do jantar, é excelente. Seria, certamente, um dos melhores finais de filmes apocalípticos de drama que já vi. Por outro lado, o filme não tem um começo, uma imagem de abertura decente, e se atropela desde o início. A cientista simplesmente descobre o asteroide e o filme se desenrola a partir disso. Nada estabelece como chegamos nesse ponto nem faz questão de introduzir as personagens, o que, sem dúvida, cria um estranhamento.

A trilha sonora é muito boa, mas me fez criar em vão a expectativa de que surgisse um Leslie Nielsen e começasse a esbofetear alguém, como em Apertem os Cintos… O Piloto Sumiu!, o que foi responsável por pelo menos 70% da minha decepção com Não Olhe para Cima. No fundo, tudo que eu queria era um Leslie Nielsen e uma sátira honesta e despretensiosa, o que até conseguiram fazer no pós-crédito (sem Nielsen, claro). Achei estranho da primeira vez por não “casar” com o clima do restante do filme, mas após colocar as ideias no lugar, percebi que estava errado: talvez o filme é que não combine com a cena pós-crédito.

Talvez os tuiteiros de esquerda e os comentaristas dos “grandes” portais estejam de alguma maneira corretos: “é um filme sobre todos nós”, afinal, nada faz sentido.


Muitos são orgulhosos por causa daquilo que sabem; face ao que não sabem, são arrogantes

— Johann Goethe

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4 COMENTÁRIOS

  1. A interpretação do filme é livre. Por tudo o que vi de várias tendências, temos uma certeza, o filme atingiu seu objetivo: polêmica. Se o meteoro é “condições climáticas”, Covid19, ou a própria catástrofe em si, o que importa é o efeito sobre a humanidade. Os governos são corruptos; a ganância supera a racionalidade; a ciência, mesmo “vista” por todos, é negada pela mídia e pelos pseudo-cientistas; diversos preconceitos; e, finalmente, a hipnose de massa que deixa o “mundo” CEGO! NÃO olhe para cima, NÃO olhe para o lado, NÃO olhe para baixo: NÃO OLHE! Quem tem o direito de ver somos somente nós, os DONOS DO MUNDO!

  2. Não posso me dar ao luxo de dizer que terminei o filme. Parei, sinceramente, em pouco menos de 1h de obra. Só digo que senti como tivesse perdido tempo. Bobo e preguiçoso.
    Obrigada pela resenha.

  3. Olá Iam Maldonado!

    Acho que em primeiro lugar, você deve esquecer a trilha sonora responsável pelos teus 70% de decepção do filme. Convém olhar clínico para buscar pelas inúmeras oportunidades de vermos pra nós mesmos como idiotas que somos, além é claro, arrogantes, tendenciosos, soberbos, egoístas. Cada personagem nos remete a uma característica mais aflorada de uma personalidade estereotipada em que nos aponta uma visão míope que mais nos incomoda e nos identifica.
    Negacionistas existem, não somente do Covid-19, mas inclua também os terraplanistas e até a mídia que nega ou deturpa tudo a seu interesse particular da manipulação, que por sinal foi escancarado no filme.
    Também não achei um filme fantástico, mas nos fez refletir! Obrigado por expor tua opinião 😃

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