Eu entendi a lição do Olavo sobre literatura quando vi as parcas interpretações já feitas sobre suas “opiniões polêmicas”
O ódio que a figura de Olavo de Carvalho desperta representa bem a corrupção da inteligência por ele tão denunciada. Ao se depararem com uma questão, as ditas grandes mentes da nação costumam proferir jargões travestidos de um linguajar científico e acadêmico sobre ela, ao invés de analisá-la de fato. Citam autoridades que por sua vez recorrem a outras autoridades, em um ciclo interminável de auto validação, e de modo que ninguém mais saiba qual foi a ideia legítima que deu origem à discussão; evocam protocolos que não são revisitados há anos.
Faz tempo que ninguém analisa o problema, que não voltam à literatura de referência, elaboram as perguntas por conta própria e tentam responder a questionamentos por meio de um processo honesto de encadeamento lógico. Eu sei bem como funciona isso, fiz parte deste time. Os representantes da intelligentsia transformaram o Olavo em um pária intelectual sem nunca citar um argumento dele e a respectiva refutação, em uma postura que só comprova os lúcidos insights do professor sobre esse processo cada vez mais acentuado de estupidificação do imaginário e restrição da linguagem.
Aprendi com Olavo que a formação intelectual começa pela literatura, pois é nesse campo da produção cultural que se explora com mais profundidade os limites da expressão. É através do intenso contato com a literatura que expandimos nossa mente para as diversas possibilidades da linguagem, para as suas sutilezas. Uma fala técnica, por mais bem estruturada que seja ou por mais complexo que seja o tema de que trata, é sempre plana e não necessita de muito mais do que aquele conhecimento específico para ser analisada.
Os meios intelectual e jornalístico brasileiros vão em outra direção, abandonam os clássicos, relegam a segundo plano a importância da literatura ou do que não é diretamente ligado ao que estão estudando, fazem atalhos no conhecimento ao ler somente resenhas e artigos: não formam mentes e imaginários, formam reprodutores das ideias já estabelecidas. Eu entendi a lição do Olavo sobre literatura quando vi as parcas interpretações já feitas sobre suas “opiniões polêmicas”.
Olavo explicou a linguagem e a história do método científico usando Newton e a lei da gravidade como exemplo. Mostrou como a última foi captada pelo cientista por observação e tomada como premissa, e não deduzida por meio de estudos controlados como são as análises laboratoriais – entenderam isso como uma negação da inteligência de Newton ou da própria ciência. Não souberam separar um trabalho científico de uma análise do funcionamento de seu método.
Olavo disse que a atual crise sanitária seria usada como mote para a aceitação de níveis de controle descomunais na vida do cidadão. Ele colocou o problema em perspectiva, usou uma linguagem debochada para captar as devidas proporções, apontou que o domínio totalitário seria muito mais grave do que quer que seja que pertença à ordem espontânea – como uma doença, por exemplo. E não faz sentido? Esqueçam as coerções físicas: estão proibindo as pessoas de falarem e de fazerem perguntas. Ter dúvidas sobre as implicações de uma criação científica virou agora sinônimo de negar a ciência, num processo de repetição robótica de frases de efeito – algumas de apelo emocional e outras apenas retórico.
Essa reiteração mecânica de slogans virou sinônimo de ciência ou de conhecimento intelectual, enquanto uma real explicação sobre o método científico, com seus diferentes níveis de validade e classes de evidência, bem como tipos de teste e métodos de análise estatística, ou mesmo a disposição de um raciocínio lógico básico são esculachados e, muitas vezes, falsamente associados com coisas diferentes das que eles de fato estavam tratando.
É o problema de não entender as sutilezas da linguagem. De traçar pontes abruptas entre uma coisa e outra por causa dos vícios do imaginário. De ter uma série de informações da política do dia sem conseguir associá-las a discussões filosóficas mais amplas ou sem conseguir juntar uma com a outra de modo coerente, por conta da pobreza dos processos de expressão. Se você não tem os recursos simbólicos e linguísticos estruturados dentro de si, você recorre à comparação pré-pronta que estiver mais próxima.
Olavo de Carvalho entendeu tudo isso. Trouxe à tona uma tradição magnífica de conhecimento e cultura e aprofundou as discussões ao usar os meios mais perspicazes da expressão enquanto analisava um problema. Foi injustiçado pelos porta-vozes mainstream do meio intelectual e informativo e, sinceramente, acho que para ele tanto faz como fez, sua obra não precisa desse tipo de validação. Eu fico triste, pois acho que quem perde é o universo do conhecimento; afinal esse assassinato de reputação é uma pedra no sapato do caminho de busca pela verdade.
Mas, como o professor mesmo disse, nós devemos honrar o que é certo mesmo que as coisas não sejam retificadas perante nós. A verdade não serve para massagear o ego e nem sempre será analisada com justiça pelos que a ela forem apresentados. Com Olavo não aprendi o “menos Marx, mais Mises”, aprendi que é para ler de tudo: clássicos e modernistas, literatura e historiografia; todos os marxistas – entre sociólogos, filósofos e historiadores – dos mais tradicionais do movimento operário até os progressistas identitaristas.
Mas é para ler! Pensar sobre, perguntar, ler de novo… e não sair repetindo o que a quarta geração de intelectuais orgânicos decidiu por decreto que é o certo. No universo de construção do conhecimento temos que mais permitir do que proibir. Como enxergar algo de ruim em tudo isso?
“(…) o público era convidado a mergulhar num abismo da inconsciência, na treva sem fim de um infinito adeus à inteligência”.
— Olavo de Carvalho
Esse conteúdo é exclusivo para assinantes da Revista Esmeril.