INTELECTUAIS & SOCIEDADE | O moralismo intelectual e a consciência moral

Nati Jaremko
Nati Jaremkohttps://medium.com/@naty.jaremko
Tentando sobreviver ao mestrado em história e uma grande curiosa nesse mundo do conhecimento. Libertária. Gosto quando posso falar e pensar livremente. Começando a escrever umas coisinhas aqui e ali.

 o código politicamente correto esmaga as normas baseadas na tradição religiosa e no hábito consagrado, colocando em seu lugar […] um sistema de cobranças artificiosas inspiradas em valores paradoxais […] — tudo isso impingido como alta e irrecorrível obrigação moral. 

A GUERRA DAS VESTAIS“. OLAVO DE CARVALHO

Ao longo de meus anos em contato com a comunidade acadêmica, pude observar vários de seus grupos assumindo postura de torcida organizada perante o cenário político do país. Intelectuais declarados apresentando análises simplistas com uma retórica rebuscada, com aquele vocabulário truncado próprio da bolha – muitas vezes não compreendido pelos próprios integrantes, apenas ecoado –, cuja finalidade é a afetação de profundidade. Não acontece diferente no contexto atual. Nem tinha como ser, dado o simbolismo todo desse processo de troca de governo.

A intelligentsia tem abandonado o caminho mais elementar de investigação da realidade, que partiria, como propõe Aristóteles, de um exame aprofundado dos lugares-comuns. Estes deveriam ser submetidos à questionamentos que colocassem em xeque as certezas neles incutidas, por vezes ancoradas na realidade, mas podendo deixar de fora aspectos dela.

Ao contrário disso, o que se vê nas universidades é justamente a divulgação e validação dos chavões e dos diagnósticos mais reducionistas, baseados em percepções emotivas e em associações instantâneas, fundadas em preconceitos. Enquanto fazem isso, arrogam-se o papel oposto. Identificam-se na sociedade como guardiões de um conhecimento sem par. Como os verdadeiros arautos do senso crítico. São esclarecidos, estão atualizados! Não se deixam levar por velharias e zombam das tradições pouco questionadas, dos hábitos instintivos, dos moralismos.

É assim que se apresentam. O que fazem, contudo, é apenas trocar os princípios espontaneamente consolidados por normas inegociáveis e centralizadoras pelas quais nutrem simpatia pessoal. Eles colocam, no lugar das consequências naturais de uma eventual escolha ruim, talvez até imoral – sustentam, inclusive, que estas devem ser remediadas por uma entidade com poderes descomunais –, uma repressão brutal e arbitrária em retaliação à recusa a se submeter a esse sistema de “cobranças artificiosas inspiradas em valores paradoxais” legitimado por eles.

Como resultado dessa dinâmica de embotamento da mente, surgem as acusações falsas, até absurdas. Enquadram qualquer fenômeno em uma cosmovisão ideológica, binária, que nega a complexidade da realidade, que seleciona os aspectos dela a serem ignorados. Quando fica evidente que a análise proposta não deu conta do objeto, direcionam suas frustrações para fora. Culpam algum elemento que não pertence ao sistema, num processo que esmaga qualquer pensamento diferente, por sua vez associado ao inimigo, responsabilizado pelas falhas da esquematização.  

O horror dos intelectuais da atualidade à moral, aos princípios que os antecedem, que transcendem seu tempo, transformou-os em moralistas. Eles estipulam as regras!  A confusão que fizeram entre responsabilidade e tirania subverte o valor da liberdade. Nunca estiveram tão distantes da proposta vanguardista, respaldada na ânsia criativa e questionadora, que sempre pairou sobre a vocação intelectual. E dado que a culpa é sempre dos outros, não reverão seus métodos tão cedo.

Pelo contrário, agora é hora de comemorar uma vitória figurativa. Afinal é isso que a torcida faz, comemora! Enquanto isso, continuamos sem ler Aristóteles, mesmo nos cursos de humanas. E quando algo der errado, é só recriminar o outro time. Nada de reestruturar sua visão da realidade, seu paradigma investigativo. Afinal, esse negócio de honestidade intelectual, sobriedade e rigor é coisa de retrógrado ignorante!

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