MURALHA DE LIVROS | Boxe, ideologia de gênero, filosofia e fantasia

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Destaque para romance envolvendo o universo do boxe

Nesta edição da Muralha, destaque para um autor que estreia sua carreira literária com uma estonteante história envolvendo muitos socos na cabeça e na alma. E, ainda que não tenhamos muito a celebrar, um lançamento especial por ocasião da Semana da Pátria.

Entre outros lançamentos da semana, o testemunho de uma vítima da Teoria de Gênero, além de três gigantes da filosofia. Em pré-venda, um volume que reúne duas histórias de um Reino fantástico em que se misturam influências de Ariano Suassuna e Tolkien.

Entre socos, ideologia e gênero, filosofia e fantasia, confira os títulos a seguir, e um excelente final de semana!

Destaques

O primeiro destaque da semana é um lançamento da Editora Danúbio, O Deus oculto no canto do corner, romance de estreia de Milton Gustavo. A trama se inicia no Brasil dos anos 90, com um veterano treinador de boxe de uma academia de bairro em São Paulo, já desanimado com a vida e com sua profissão, e que vê a sua existência pacata passar por uma reviravolta quando conhece Zezão, um jovem pouco instruído e de origem pobre, mas dotado de uma talento esportivo sem igual. A trajetória dos dois se interlaça, numa relação quase de pai e filho, e ambos embarcam numa jornada que os leva à Las Vegas, Atlantic City e a outros grandes palcos do boxe profissional.

Sempre em busca do sonho de conquistar o grande cinturão mundial, Zezão e o treinador se mudam para os Estados Unidos, onde conhecem de perto os bastidores de um esporte milionário recheado de grandes estrelas, celebridades, mafiosos, mulheres exuberantes, alegrias, desafios e decepções.

Com uma trama bem construída e envolvente, digna de um “thriller”, além de um realismo sincero e uma linguagem cortante, O Deus Oculto no Canto do Córner conduz o leitor por uma história de amadurecimento e obstinação, mas também de esperança e busca pelo sentido da vida.

Confira abaixo um trecho do prefácio escrito por Christiano Galvão:

Descobrir um deus oculto no canto do córner pode ser tão espantoso quanto descobrir no boxe o motivo para uma obra literária absolutamente excepcional. Tal é o caso destas memórias que, embora ficcionais, são todas feitas daquelas verdades e ironias que somente os escritores prontos sabem manejar. E tal é o caso de Milton Gustavo, que, já pronto, aqui estreia mostrando não ser comum nem de todos os dias este balanço igual e cabal entre violência e arte. 

Mas converter a truculência do boxe em literatura de primeira linha não é, como se verá, o único nem o mais notável talento deste escritor. Um amálgama entre fenômenos tão contrastantes só pode ser obtido pela força da poesia ou da sátira. Com efeito, sendo capaz de escrever bem o bastante para nos fazer rir, e até mesmo gargalhar, Milton Gustavo se valeu da segunda, mostrando um talento satírico não só vigoroso, mas, sobretudo, corajoso.” 

Agora, leia alguns parágrafos do início do livro:

“‘Muay-thai é esporte de maloqueiro! Aqui só treinamos lutadores segundo as regras do Marquês de Queensberry, senhora.’ Que negócio mais sem cabimento, entrar na minha academia para perguntar se ensinamos a bater um tiro-de-meta com a cabeça dos outros! A gostosa se ofendeu e foi embora levando o namorado fortão boiola. Patricinhas como ela querem treinar muay-thai porque engrossa as pernas e afina a cintura. Se eu começasse a receber esse tipo de gente aqui, logo teria que comprar um bebedouro e quem sabe até mandar ajeitar a descarga do banheiro. O sujeito ainda me olhou feio na saída, querendo se exibir pra franga. Viu ali um velhinho e imaginou que seus braços inchados de água e pus lhe dariam dianteira num combate. Ele não aguentaria um soco meu. Um soco de ex-campeão, com a mão dura como um casco de camelo (não sei se camelo tem casco); um soco meu e ele jamais seria bonito de novo e eu passearia de camburão. Foram embora.

É isso: aqui, na minha academia em Casa Verde, treinamos gordas. Gordas que já têm pernas grossas, por conta do peso que são obrigadas a sustentar, e que não estão nem aí para a barriga, que é uma causa perdida. Gordas, que têm punch e queixo duro. Gordas, que não têm nenhuma frescura e vestem a camisa (enorme) do boxe. Saem na mão com qualquer um a qualquer hora, com o único e sagrado objetivo de emagrecer para o verão e quem sabe arrumar um namorado. Gosto das gordas e elas gostam de mim; que me veem, sei lá, como um pai magro, a prova viva de que é possível chegar aos 71 anos, duro como um pedaço de pau. Temos também alguns gordos, quase todos na faixa dos 40, que vieram até mim por ordens médicas e para escapar da aporrinhação das esposas. São os operários da taxa de glicose. Pulam corda, correm, suam e vão embora, sem cumprimentar ninguém. Eu também gosto dos gordos.

Treino ainda alguns boxeadores amadores. Todo dia temos escolinha de combate. Para eles não tem verão, biquíni, marido da vizinha que olha para as coxas… Para eles, boxe não é um esporte, mas um combate. Quando estão dentro do ringue, um dos dois pode morrer e alguns morrem. Aliás, só morre gente no boxe; na luta livre e no jiu-jitsu não morre ninguém: são apenas ‘esportes’.”

E, se você quiser conferir mais informações sobre o livro pelas palavras do próprio autor, confira aqui a entrevista de Milton Gustavo à Esmeril.

O segundo destaque da semana, em homenagem ao Sete de Setembro, é um lançamento do IBESEC, a Carta Póstuma de D. Pedro, Duque de Bragança, aos brasileiros.

Em seus últimos dias, D. Pedro I, também Duque de Bragança, no Brasil, e Imperador Pedro IV, em Portugal, tinha entre seus confidentes o seu médico, ao qual ditou uma carta aos brasileiros, para que fosse publicada após a sua morte.

O editor original (da única publicação) colocou um aviso sobre a possibilidade da carta não ser verdadeira, contudo, hoje, o consenso historiográfico afirma a veracidade do documento. Prepara-se para encontrar um D. Pedro I maduro, sem o caráter intempestivo que lhe marcava a personalidade, mas um estadista que demonstra conhecimento de suas pátrias e uma visão inigualável do futuro do Brasil, como nação soberana, e dos brasileiros, enquanto povo de uma sociedade civilizada.

Confira abaixo um trecho da carta, em que D. Pedro aconselha os brasileiros acerca da escravidão:

“Não posso deixar de vos dirigir uma advertência acerca da escravidão dos negros. A escravidão é um mal, e um atentado contra os direitos e a dignidade da espécie humana; mas as suas consequências são menos danosas aos que padecem o cativeiro, do que à nação, cuja legislação admite a escravatura. É um cancro que devora sua moralidade. Porém esta praga , quando herdada das gerações anteriores, quando afiançada pelas leis, quando complicada com os misteres da produção, não pode ser sanada violentamente, sem que a existência social perigue. Só quando o trabalho livre for mais barato que o cativo, a escravidão findará de per si. Esforçai-vos pois para avançar este desejável resultado, promovendo pelos meios apropriados, e sobretudo pelos melhoramentos materiais das vias de comunicação, a população dos homens livres.”

Outros lançamentos

Também pelo IBESEC, O lado escuro do colorido, de Karen Santana. O livro é uma reflexão sobre família e a responsabilidade que temos ao constituí-la. A trajetória trágica deste testemunho pessoal que Karen vem nos relatar começa com o divórcio de seus pais. Tal situação nos mostra como relações deterioradas de um casal afetam a vida, a construção da individualidade e a percepção do mundo de crianças em idade de aprender valores. Temos a oportunidade de vivenciar nessas linhas tanto a sua reflexão imatura, tomada a partir dos fatos duros da vida, num momento em que as crianças devem apenas brincar e ser felizes, quanto os descaminhos que esta experiência de infância a leva, numa sequência de decepções e ilusões, pensando, inclusive, em modificar a sua própria natureza intrínseca, como se, ao assumir uma identidade masculina, seria capaz de retomar a sua própria história em outros termos, provavelmente encontrando nessa maneira de ser, a correção da sua própria trajetória de vida.

Karen nos mostra, de uma maneira clara, como funciona o mecanismo da rejeição. No caso dela, veio com o nascimento da irmã, quando, segundo podemos perceber no seu relato, houve uma quebra de confiança e falta de perdão. Primeiro, veio a rejeição do pai em relação à mãe. Na sequência, a rejeição da mãe com as filhas e, então, a descoberta, por Karen e sua irmã, da rejeição delas mesmas. A rejeição é um processo de desconstrução da identidade. O indivíduo rejeitado, e que se vê como não aceito, pode vir a criar caminho de mutilações.  Mutilar é o mesmo que cortar, só que, aqui, isso não ocorre no sentido físico, mas espiritual, ou seja, no campo dos valores e autoaceitação. A não aceitação, a perda de referência paterna e/ou materna, em idade tênue, pode levar a pessoa desenvolver um sentimento de auto rejeição. Ou ainda mais, uma necessidade de desconstruir aquilo que se é, em busca da identidade que lhe torne aceito.

Pela Vide, A consolação da filosofia, de Boécio. O livro foi escrito por volta do ano 524. Tem sido descrita como a obra mais importante e influente do Ocidente até o início da Renascença, e é também a última grande obra ocidental que pode ser chamada de Clássica. Boécio foi uma figura pública eminente sob o imperador gótico Teodorico, e um estudioso grego excepcional. Quando envolvido em uma conspiração e preso, foi para os filósofos gregos que Boécio recorreu. A Consolação da Filosofia foi escrita durante um período de um ano de prisão e tortura enquanto Boécio aguardava julgamento pelo suposto crime de traição.
Esta sua experiência inspirou o texto, que reflete sobre como o mal pode existir no mundo, e como a felicidade pode ser alcançada em meio a uma fortuna inconstante, ao mesmo tempo em que considera a natureza da felicidade.

Nesta semana também fomos presenteados com O mínimo sobre Olavo de Carvalho, de Ronald Robson. Figura mais emblemática da história recente do Brasil, Olavo de Carvalho já foi chamado de tudo – de muçulmano a agente do Mossad, de guru bolsonarista a filocomunista. Mas quem foi, afinal, e o que pensou Olavo?

A sua filosofia, muito mais do que os mínimos detalhes de sua vida pessoal, é aqui apresentada com notável clareza e simplicidade por um de seus alunos de maior destaque. É a sua chance de sair das discussões mesquinhas sobre a atuação pública de Olavo e mergulhar nos ensinamentos dele que mudaram toda uma geração.

E se falamos em filosofia, foi lançada nesta semana, pela Eleia, a Introdução à Epistemologia de Karl Popper, de Rogério Soares da Costa. Karl Popper foi certamente um dos mais influentes pensadores da filosofia do século XX. A sua obra não se limita à epistemologia ou à filosofia da ciência, mas abrange áreas como a lógica, a filosofia política e a filosofia da mente. O presente livro tem como objetivo apresentar apenas o pensamento epistemológico de Popper e não o conjunto de sua filosofia, buscando separar as teses epistemológicas das investigações popperianas em outras áreas. contudo, as ideias sobre o conhecimento científico não foram separadas de seu contexto histórico ou de suas implicações políticas. embora a validade das teses epistemológicas não dependa necessariamente desses elementos, eles ajudam a compreender a gênese das ideias, as intenções e preocupações do autor.

Pré-Venda

Iniciou-se nesta semana, pelo projeto Reino de Massapé, de Rebeca Traldi, o volume único reunindo duas das aventuras do Reino: João e Helena.

Reino de Massapé nasceu de um desejo de oferecer um entretenimento de qualidade, com propósito e fincado em raízes brasileiras, através de narrativas que se estendem em diversas mídias para variadas faixas etárias e num mesmo universo expandido. As histórias do Reino são pensadas para entreter toda a família. Seja através das referências narrativas, visuais, ou pelo próprio conteúdo com camadas de complexidade, queremos oferecer uma possibilidade de diversão em conjunto, e, assim, aproximar diferentes gerações.

Para isso, a autora busca aproximar a literatura de cordel e a cultura popular do Brasil de obras internacionais, tendo como referências desde nomes nacionais como Leandro Gomes de Barros e Ariano Suassuna, até as obras de J.R.R. Tolkien, G.K. Chesterton e C.S. Lewis, grandes entusiastas do universo de fantasia.

João, o menino-rei, e Helena, a princesa em versos, são histórias ilustradas destinadas ao público infantil, que fincam suas raízes nas manifestações tradicionais da cultura brasileira, em especial a literatura de cordel, e, por isso, contadas em rimas e versos, para encantar, divertir e provocar os leitores de todas as idades.

Em volume único bilíngue, com versão para o inglês em forma de balada medieval feita pelo poeta e tradutor Igor Barbosa, e ilustrações de Juliana Iasi, a obra conta com o financiamento coletivo durante o período de pré-venda, que vai até dia 30 deste mês, no blog do projeto Reino de Massapé.

Confira a seguir um trecho do poema João, o menino rei (ou The Ballad of João, the little king – arraste para o lado para ler em inglês):

Eis a família real                      Behold! These are the Royals
Do reino de Massapé Of the realm of Massapé,
Quando o pai, rei Juvenal, Whose father, King Juvenal,
Teve uma ideia lelé. Had a crazy thought right there.

Juvenal, rei bom e justo, Juvenal, king fair and good,
Tinha um filho, o João, Had a son – João his name;
Egoísta a todo custo: Selfishness his only mood,
Aos pais, só dizia “não”. Will impossible to tame.

João queria mandar João was naggy everyday,
E aproveitar o lazer. When he wasn’t in leisure.
Mas... ajudar? Nem pensar! Helping anyone? No way!
Tinha mais o que fazer! Better things were there, for sure.

Achava bem mais legal He considered the lifestyle
A vida de rei do pai. Of kings the best of the world.
Da boca de Juvenal, From the mouth of Juvenal
Nunca tinha ouvido um “ai”! Never a complaint was heard.

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