SANTO CONTO | A última luta

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Um conto baseado nas últimas horas de Santa Catarina de Siena

Irmã Catarina aguardava a morte tranquila. As irmãs em volta de sua cama rezavam silenciosas. De repente, sentiu um fedor pestilento, repulsivo, nauseabundo, pior que os de todos os pecados que já havia cheirado antes.

Estava prestes a vomitar, mas segurou-se: o cheiro enfim se materializava, e ela viu seis demônios a encarando. Ela os conhecia. Já os expulsara e espancara algumas vezes, e agora ali estavam, desejosos de vingança. Arfavam de ódio e ansiedade, um deles tinha um sorriso cínico. No entanto, não se atreviam a avançar.

Foi quando a irmã sentiu uma mordida no ombro, do sétimo tinhoso que ela não viu nem percebeu se esgueirando pela beirada da cama. Pegou-o pela cabeça e o arremessou longe, contra a parede, e o bicho desapareceu. Então os outros seis avançaram, e começou a luta. Catarina repelia-os com socos e cabeçadas, mas eles continuavam a investir contra ela. Um deles tentou mordê-la na mão, bem em cima de um dos estigmas. Caiu sufocando, estrebuchando, e desapareceu.

As irmãs em volta olhavam apavoradas Irmã Catarina se debatendo e gritando, mas estavam imóveis, ou melhor, imobilizadas. Uma delas começou a orar em voz alta “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim pecadora”, e foi acompanhada pelas outras. Segurando seus Rosários, repetiam sem parar a oração, trêmulas.

Enquanto isso, a luta continuava. Irmã Catarina estava toda ferida, arfava, a carne ardia e queimava onde era golpeada, mas os demônios já não atacavam mais com tanta força. Ela derrotou mais três, o último deles com um soco na boca, tão certeiro que lhe arrancou várias de suas presas e o fez correr de volta ao inferno chorando. Os últimos dois, mais tinhosos, segurou suspensos pela garganta, enquanto eles, exaustos, tentavam alguma reação, agarrando-se nos braços franzinos da freira. Ela os olhava nos olhos e balbuciava uma oração que só eles ouviam, e que os fazia quase convulsionar de tanta dor de cabeça. 

Ficaram assim por volta de uma hora e meia, até que as duas bestas desmaiaram sufocadas. Irmã Catarina jogou de lado as duas carcaças, que logo desapareceram. Então respirou fundo, fechou os olhos, se acomodou na cama e sentiu um conforto que jamais havia provado. E de repente o fedor nauseante se transformou em um odor agradável de lírios, e de rosas, e de um outro perfume delicioso que ela jamais havia sentido. Aproximavam-se dela São José, a Virgem Maria e Nosso Senhor Jesus Cristo, sorridentes, vinham abraçá-la.

No quarto, em volta da cama, as irmãs rezavam o Ave-Maria por sua alma.


Esse conteúdo é exclusivo para assinantes da Revista Esmeril.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor