Enquanto escrevo esta coluna, mais um debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo está ocorrendo e, ao que parece, Datena e Pablo Marçal se desentenderam no pódio do debate, com Marçal chegando a levar uma cadeirada nas costas. Pablo Marçal, como todos já sabem, capturou a atenção da internet nas últimas semanas com seus comentários provocativos e diretos aos outros candidatos, especialmente nas entrevistas concedidas a jornalistas e repórteres da mídia tradicional. Cortes das falas de Pablo rapidamente viralizaram, colocando-o, aos olhos de muitos na direita, como um possível substituto do bolsonarismo.
Há, claramente, um problema com essa perspectiva. Lembremos brevemente como Jair Bolsonaro ascendeu à liderança política da direita brasileira na década passada: depois de décadas como deputado federal do baixo clero e simpatizante da Ditadura Militar e do socialismo de Hugo Chávez, Bolsonaro ressurgiu como o “mito”, fazendo o gesto de arminha com as mãos ao confrontar jornalistas do CQC e outros programas da TV brasileira. De um dia para o outro, o desconhecido Bolsonaro passou a se tornar referência da “nova direita” na esteira do antipetismo pós-2013, principalmente com a força das novas mídias sociais como o Facebook. Qual era, no entanto, a verdadeira força de Bolsonaro nesse período? Suas ideias em política social e econômica? Não, ele mal havia começado a se posicionar como mais ou menos alinhado com o liberalismo econômico. Seu conservadorismo? Bem, ele se dizia “defensor da família” e patriota, mas a própria vida privada do capitão, com seus divórcios e escândalos, talvez não fosse o melhor exemplo de um conservador patriota. O que impulsionou Bolsonaro à presidência em 2018 foi, exatamente, sua força como “meme” e o cara das “mitadas” nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp, por isso a famosa alcunha de “mito”.
O mesmo fenômeno está acontecendo, certamente numa escala reduzida, com Pablo Marçal nesta campanha à prefeitura de São Paulo. Pensemos: quais são as credenciais de Marçal para o posto de liderança da direita brasileira? Ele coescreveu — pelo menos imagina-se que realmente tenha escrito — um livro de qualidade duvidosa intitulado A Destruição do Marxismo Cultural, e ficou multimilionário vendendo cursos de autoajuda e enriquecimento rápido, além de ter se tornado recentemente criador de reality shows para influenciadores digitais. Será que, se comparado aos currículos de Carlos Lacerda e Enéas Carneiro, Pablo teria alguma chance? Para os padrões atuais, e para muita gente, sim, e tudo o que foi necessário foram alguns cortes de “mitadas” em cima dos pobres jornalistas esquerdistas da mídia tradicional que, francamente, nunca foram levados a sério como referência de inteligência. Marçal sabe como se portar e convencer um público a vê-lo como alguém que possui algo valioso a ser vendido — afinal, foi assim que ele fez fortuna — e sua atual carreira eleitoral o está colocando exatamente onde ele quer: numa posição de destaque nacional para, se der certo, abocanhar a maior cidade da América Latina ou, se não der, ter seu nome exposto a milhões e milhões de pessoas que não necessariamente o encontrariam nas redes. É uma situação em que Marçal só tem a ganhar.
Quem sai perdendo é, naturalmente, a direita brasileira. Bolsonaro declarou seu apoio ao atual prefeito, Ricardo Nunes, um político de centro-esquerda do sistema, e Marçal aproveitou a oportunidade para se posicionar como o verdadeiro político outsider e antisistema — posição que antes pertencia a Bolsonaro, mesmo ele sendo cria do sistema desde os anos 1990. Um coach envolvido em vários escândalos que beiram o crime, ainda que por um breve momento, cativou a atenção da direita brasileira como uma possível alternativa ao bolsonarismo. A política brasileira está preparada para ser, nos próximos anos, tomada de assalto pela nova leva de influenciadores que se dizem antisistema e “contra tudo o que está aí”. É 2014 novamente, só que, como dizia o velho Karl Marx: “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2024