REFLEXÕES | XI – O Papa errou. O que fazer?  

Ronaldo Mota
Ronaldo Mota
Neste espaço discutiremos diversos temas de filosofia, antropologia e cultura de modo crítico e ácido, sempre fugindo do lugar comum e das explicações simplórias. É uma coluna dedicada a quem tem fome e sede de verdade; a quem não confunde assertividade com soberba; a quem é constantemente fustigado pelo chicote espiritual do amor à Sabedoria, que impele sempre para a origem e para os fundamentos das coisas.

Nesse dia 13 de setembro de 2024, em seu discurso no Catholic Junior College, em Singapura, durante um encontro inter-religioso, o Papa Francisco fez algumas declarações que geraram escândalo e uma grande discussão no mundo católico. As afirmações do Papa mais discutidas e questionadas foram as seguintes: 

Trata-se de algo muito importante, porque se começardes a discutir: “A minha religião é mais importante do que a tua…”, “A minha é a verdadeira, a tua não é verdadeira…”. Para onde é que isso vos leva? Para onde? Alguém pode responder? [Responde um: “Destruição”]. É isso. Todas as religiões são um caminho para nos aproximarmos de Deus. E faço esta comparação: são como línguas diferentes, diversos idiomas, para chegarmos lá. Mas Deus é Deus para todos. E porque Deus é Deus para todos, todos nós somos filhos de Deus. “Mas o meu Deus é mais importante do que o vosso!” Será que isto é verdade? Só há um Deus, e nós, as nossas religiões são linguagens, caminhos para chegar a Deus. Uns sikh, outros muçulmanos, outros hindus, outros cristãos, são caminhos diferentes. Entendido?” (Cf.: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2024/september/documents/20240913-singapore-giovani.html

Aqueles católicos que têm um pouco mais de instrução e conhecimento começaram a lembrar-se de passagens das Sagradas Escriturar que pareciam contradizer a afirmação de que “todas as religiões são caminhos para chegar a Deus” … 

“Diz-lhe Jesus: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim.” (S. João, XIV, 6) 

“Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo que vos ordenei.” (S. Mateus, XXVIII, 19-20) 

“E disse-lhes Jesus: Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura. Aquele que crer e for batizado será salvo; o que não crer será condenado.” (S. Marcos, XVI, 15-16) 

“Ele é a pedra desprezada por vós, os construtores, mas que se tornou a pedra angular. Pois não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos.” (Atos, IV, 11-12) 

“Portanto, não nos destinou Deus para a ira, mas sim para alcançarmos a salvação por nosso Senhor Jesus Cristo que morreu por nós” (I Tessalonicenses, V, 9-10) 

“Todos os deuses dos povos são vazios.” (Salmos, XCV, 5) 

Outros, ainda, lembraram-se do catecismo: 

Ora, entre as figuras, existe uma de grande alcance: a “Arca de Noé”. Foi construída por ordem de Deus, só porque devia inegavelmente representar a própria Igreja. Deus instituiu esta de tal forma, que todos os homens que nela entram pelo Batismo, podem preservar-se de todo perigo da morte eterna. Mas, os que ficam fora dela, perecem afogados em seus próprios crimes, como sucedeu aos que não se abrigaram na Arca.” (Catecismo Romano. Cap. X, VI, pp. 160-161) 

Pode alguém salvar-se fora da Igreja Católica, Apostólica, Romana? Não. Fora da Igreja Católica, Apostólica, Romana ninguém pode salvar-se, como ninguém pôde salvar-se do dilúvio fora da arca de Noé, que era figura desta Igreja.” (Catecismo de São Pio X. Cap. X, § 2º, p. 48) 

Fora da Igreja não há salvação”. Como entender esta afirmação, com frequência repetida pelos Padres da Igreja? Formulada de maneira positiva, ela significa que toda salvação vem de Cristo-Cabeça por meio da Igreja, que é seu corpo” (Catecismo da Igreja Católica. Edições CNBB, 846) 

Houve aqueles que recordaram o Magistério da Igreja: 

Outra causa que tem acarretado muitos dos males que afligem a Igreja é o indiferentismo, ou seja, aquela perversa teoria espalhada por toda parte, graças aos enganos dos ímpios, e que ensina poder-se conseguir a vida eterna em qualquer religião” (Cf.: https://www.vatican.va/content/gregorius-xvi/it/documents/encyclica-mirari-vos-15-augusti-1832.html

Outros, ainda, recorrendo aos textos do Concílio Vaticano II relembraram:  

O sagrado Concílio volta-se primeiramente para os fiéis católicos. Fundado na Escritura e Tradição, ensina que esta Igreja, peregrina sobre a terra, é necessária para a salvação. Com efeito, só Cristo é mediador e caminho de salvação e Ele torna-Se-nos presente no Seu corpo, que é a Igreja; ao inculcar expressamente a necessidade da fé e do Baptismo (cfr. Mc. 16,16; Jo. 3,15), confirmou simultaneamente a necessidade da Igreja, para a qual os homens entram pela porta do Baptismo. Pelo que, não se poderiam salvar aqueles que, não ignorando ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou nela não querem perseverar.” (Cf.: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html )  

Por fim, lembraram estarrecidos que segundo São Paulo: 

“aquilo que os gentios imolam, eles imolam aos demônios, e não a Deus. Ora, não quero que entreis em comunhão com os demônios.” (I Coríntios, X, 20) 

Ao fim e ao cabo, após percorrerem, na memória, as Sagradas Escrituras e quase dois mil anos de Magistério da Igreja, chegou-se à conclusão inequívoca de que o Papa Francisco errou. 

E agora? O que fazer? 

Os sedevacantistas, um tipo curioso que quer salvar a Igreja destruindo-a por completo, ficaram felizes… 

Bom, os católicos mais instruídos sempre souberam que Deus, em sua infinita misericórdia, pode salvar os ignorantes por meios extraordinários apesar dos erros de suas falsas religiões. Ou seja, Deus pode salvá-los apesar das falsas religiões e não por causa delas.  

Todavia, o fato é que não há autoridade na Igreja acima do Papa para julgá-lo. Portanto, o que nos resta é:  

  1. Sermos honestos: deve-se reconhecer que o Papa errou nesse ponto. 
  1. Rezar pelo Papa Francisco para que ele, assim como o Papa João XXII, no início do século XIV, arrependa-se, corrija-se e se retrate.  
  1. É preciso pedir a intervenção divina, visto que, objetivamente, isso é uma terrível tragédia com consequências tristes.  
  1. Devemos rezar para que os Cardeais e os bispos, em função de seu dever como legítimos sucessores dos Apóstolos, tenham coragem de seguir o exemplo de São Paulo, que corrigiu o primeiro Papa, São Pedro, quando foi necessário.  

Enfim, essa é uma reflexão para católicos. A situação é terrível, mas, como temos fé, devemos carregar essa cruz com paciência, sabendo que não temos soluções para todos os problemas e, por fim, termos firme esperança nas promessas de Cristo:  

“Então lhes perguntou: E vós quem dizeis que eu sou? Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo. Jesus respondeu-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre essa pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus.” (S. Mateus, XVI, 15-19)    

2 COMENTÁRIOS

  1. “O bispo de Roma é o chefe espiritual e institucional da Igreja Católica em todo o mundo. Isso significa, entre outras coisas, que ele tem o dever de ensinar a fé claramente e pregá-la evangelicamente. […] Os cristãos sustentam que somente Jesus é o caminho para Deus. Sugerir, implicar ou permitir que outros infiram o contrário é uma falha em amar, porque o amor genuíno sempre deseja o bem do outro, e o bem de todas as pessoas é conhecer e amar Jesus Cristo, e por meio dele o Pai que nos criou.”

    –Charles J. Chaput, OFM Cap., arcebispo emérito da Filadélfia

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