ISRAEL SIMÕES | O pão e o peixe: socorro ao Rio Grande do Sul

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Quinze mil, setecentos e setenta e quatro reais e cinquenta e nove centavos. Este foi o valor que consegui arrecadar entre amigos e seguidores para socorrer as famílias desabrigadas do Rio Grande do Sul, em dez dias de campanha. Entendendo, logo de início, a gravidade da tragédia e sabendo que, em cenários de guerra, são necessários uns homens mais animados para tomar a linha de frente, criei uma conta PIX e comecei minha jornada de procurar voluntários que estivessem, de fato, socorrendo os pedidos mais urgentes, as pessoas com água no queixo, com fome e sede desesperadora, com necessidades muito específicas de remédios ou atendimento médico.

Aos soldados do primeiro batalhão deem pelo menos as melhores armas.

Claro que eu gostaria de ter arrecadado milhares, ou milhões, mas tenho uma rede limitada de contatos e apenas pouco mais que dez mil seguidores no Instagram. E está tudo bem. Quinze mil e pouco já é mais do que eu, sozinho, poderia doar. E definitivamente esta não é uma competição de quem arrecada mais, ou ajuda mais. Deus nos livre de tão tola vaidade.

Inclusive a abnegação e o espírito sacrificial parecem o critério escolhido por mim para definir os voluntários aos quais destinaria as doações arrecadadas, mas foi apenas coincidência, ou resposta divina. Não queria um centavo desperdiçado na mão de abutres.

A primeira voluntária que encontrei foi Raquel Zucchi, uma jovem consultora financeira, citada em alguma postagem do nosso colega Thomas Giuliano. Vi que a menina era boa no corre, chegando mais rápido aos abrigos que qualquer jatinho de Brasília. Foi ela quem me ajudou a socorrer o Nicholas, um rapaz que deixou, em algum lugar da internet, um pedido de socorro, porque no seu bairro os moradores estavam há cinco dias sem água. Chamei-o no direct do Instagram, pedi sua localização e, por meio dos esforços da Raquel, no mesmo dia, a água chegou para aquela gente morta de sede.

O pastor da igreja de Nicholas, nosso herói Charles Silveira, está há dias percorrendo bairros alagados, becos, áreas de difícil acesso, levando água, comida e itens de cuidado pessoal básico na região norte da área metropolitana de Porto Alegre. Também o pastor Flávio Oliveira, da cidade de Canoas, uma das mais atingidas pelas enchentes, transformou sua igreja em abrigo e está sustentando famílias que perderam todos os seus bens. Ele se comprometeu pessoalmente a reconstruir suas casas e recuperar o patrimônio desses pais de família.

Quando Raquel encerrou suas atividades, me indicou o empresário Lucas Ferraz como seu sucessor. O homem mobiliza aviões, helicópteros, caminhões, embarcações e o que mais se move sobre a terra para providenciar de tudo: água, comida, remédios, equipamentos hospitalares, fraldas, brinquedos, colchões e a lista é grande. Com o emprenho de Lucas, conseguimos comprar um oxímetro para bebês recém-nascidos atendidos no ambulatório social da Patrícia Koiky, outra voluntária trabalhando na região de Porto Alegre.

Patrícia montou, na Paróquia Nossa Senhora do Trabalho, na capital gaúcha, um enorme espaço de atendimento médico gratuito para voluntários, abrigados e população em geral, contando com nossas doações e o apoio da associação do Dr. Ítalo Marsili.

Com tantas iniciativas eficazes no socorro às vítimas das enchentes, uma amiga enfermeira com quem eu não falava há anos me chamou no Whatsapp e disse: “por favor, faça contato com a Andreia. Alguém precisa ajudar os bebês nos abrigos…”. Andréia Noé é o nome dela (coincidência ou sinal divino?), já recebeu nossas doações para levar, ao Rio Grande do Sul, potes de uma fórmula de leite específica para bebês com intolerância alimentar. Casada e mãe de três filhas, foi muito recentemente que ela encerrou as sessões de quimioterapia contra o câncer, mas nada disso a impediu de colocar o carro na estrada e levar, pessoalmente, os potes de neocate para um abrigo em Canoas, onde também oferecerá atendimento psicológico gratuito.

Eu poderia dar aqui outros exemplos de pessoas cuja generosidade chegou até mim nos últimos dias, mas são exemplos que bastam para o leitor compreender que, de fato, o povo está erguendo o próprio povo.

Passadas as primeiras emoções, as imagens chocantes de casas e carros arrastados pela enxurrada, começa a surgir um cenário de tristeza e melancolia, talvez ainda de choque e incredulidade, onde cidades inteiras se transformaram em um deserto de lama e sucata, misturando móveis, eletrodomésticos, álbuns de fotografias e inúmeros…cadáveres.

A minha esperança é de que o mesmo povo que mexeu para tirar gente debaixo d’água seja também a comunidade que dará a essas pessoas um novo teto sob o qual dormir. Nada de entregar para os poderes instituídos esta obrigação porque ela é minha e sua, ricos e pobres, homens e mulheres, gaúchos, mineiros, paulistas, cariocas, nordestinos e seja lá de onde for. Cada um de nós é convocado a estender mão de salvação.

Nosso pix é este: opaoeopeixe@gmail.com . Pode fazer a sua doação porque vai chegar na mão dessa gente que não tem preguiça nem burocracia.

Pão e peixe para lembrar que, fé, multidão e um cesto na mão fazem multiplicar os recursos para além do que a nossa razão meramente humana é capaz de alcançar.

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