O primeiro Presidente da República renunciou sob ameaças de um bombardeio sobre a capital federal
No século XIX a ideia da República no Brasil manifestou-se primeiro como uma inspiração positivista entre as classes falantes do país. Um contingente de intelectuais, jornalistas, políticos, grandes proprietários e membros do exército abraçaram o ideal da mudança do regime. No entanto, como atesta a História, as mudanças bruscas no âmbito político-social não vingam porque carecem de legitimidade popular; e, quando malogram esta regra, subsistem tão somente pela força das armas, pela coerção.
A queda da Monarquia Brasileira, como fartamente atestam as crônicas da época, os jornais e, não sem má vontade, os livros de História, fora um evento que, por não contar com o apoio popular e com parte da classe intelectual, tomara os exatos contornos de um golpe militar. O novo regime inaugurou no país uma nova era: a era da indissociável ligação entre o autoritarismo e o atraso, a intromissão do Estado e a instabilidade econômica, os interesses rasteiros da política miúda e o permanente subdesenvolvimento.
O povo que, nas palavras do historiador José Murilo de Carvalho, assistira a queda de D. Pedro II bestializado, vira-se, da noite para o dia, com fuzis apontados para o seu nariz: todos quantos não aceitassem que a Monarquia chegara ao seu termo e que a República agora seria a nova forma de governo no Brasil estavam condenados à censura, à perseguição, à prisão, ao exílio e, não raro, à morte. A barafunda do novo regime era tão absurda que, nos meses que se seguiram ao 15 de novembro, muitos apoiadores da República — homens de talento como Ruy Barbosa — declararam-se publicamente preocupados com os descaminhos que o golpe militar impusera ao Brasil.
A desassistência aos escravos recentemente libertos — objetivamente abandonados pela República incipiente que priorizara a importação de mão-de-obra europeia –, as crises de corrupção, a crise econômica profunda — o Encilhamento — e a crescente insatisfação popular abalaram os já frágeis alicerces do suposto regime “democrático”. À época, as forças armadas contavam apenas com o Exército — principal braço do regime ilegítimo — e a Armada, a atual Marinha, que permanecera em grande medida fiel à Monarquia.
Deodoro, que se fizera integralmente como homem público, militar e político graças aos favores do Imperador, parecia conduzir o novo regime arrependido por tê-lo feito; o homem terminou os seus dias amargurado. No dia 23 de novembro de 1891, o aflito Marechal, depois de resistir sem bravura, decidiu renunciar à Presidência da República. Ele só o fez, a bem da verdade, porque o Almirante Custódio de Melo, indignado com o autoritarismo do Marechal ao ordenar o fechamento do Congresso Nacional, a 3 de novembro, ameaçou bombardear o Rio de Janeiro, a então capital federal.
Deodoro cedeu, renunciou e retirou-se da vida pública. Morreu em agosto do ano seguinte. Floriano Peixoto, cognominado o “Marechal de Ferro”, assumiu a Presidência promovendo uma violenta repressão aos apoiadores da Monarquia — ordenando, inclusive, o fuzilamento de milhares de monarquistas.
O Brasil continua …
Com informações do portal History UOL e do livro Carvalho, José Murilo de, Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, Cia das Letras Editora, São Paulo, SP, 2019.
“Isto [a proclamação da República] foi um mal; a Nação ficou atônita e as opiniões divergentes não se puderam pronunciar. Ainda há de haver revoluções, e o sangue que não correu a 15 de novembro ainda há de correr”.
Marechal Deodoro da Fonseca
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