As histórias contadas pelas pessoas simples sobre a História a enriquecem de realidade
Quando criança, poucas coisas me fascinavam tanto quanto as histórias antigas contadas pela minha avó Terezinha. Histórias dos imigrantes, dos caboclos, das viagens de maria-fumaça, histórias da guerra. As narrativas da minha avó, contadas com tamanha simplicidade, não só despertavam a minha imaginação, mas exerciam sobre mim uma espécie de efeito cívico. A velhinha talvez não suspeitasse, talvez não fosse mesmo a sua real intenção, mas as suas histórias fizeram-me pensar, pela primeira vez, no meu próprio país. “Meu pai lutou na Revolução Constitucionalista, meu filho”, disse-me ela certa vez, “ele ficou entrincheirado na Estação da Luz”.
Mais tarde, quando pude ler sobre o que se passou em 1932, nada descobri sobre soldados entrincheirados na Luz. Devo ter corrido os olhos sobre um parágrafo de um artigo qualquer que descrevia a preocupação do Governo Paulista com o Edifício Martinelli — mais por ser um ponto estratégico, em função da sua altura, do que pelo valor histórico da construção, evidentemente. Mas nada encontrei sobre a Estação da Luz. Seja como for, era natural que o Governo, sob os imperativos bélicos do momento, guarnecesse as principais vias férreas, para facilitar o transporte de tropas e equipamentos.
Meu bisavô, que era mineiro, lutara por São Paulo. Minha avó contou-me essa história emocionada. Eu sei que a imagem do seu pai em campo de batalha a tocava mais do que as causas políticas, mais do que as manchetes dos jornais paulistas que, inflamados, criticavam Getúlio Vargas. Ela nunca entendeu claramente os motivos do conflito, não dissera nenhuma palavra sobre a causa da Constituição, sobre a política do café com leite ou sobre a desfaçatez do Presidente que governava com autoritarismo. A singeleza, a despretensão das histórias das gentes simples têm um poder extraordinário: o de fazer os ouvintes, sejam eles netinhos fascinados pelos causos das vovós ou estudiosos da História, expectadores da realidade.
Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023