FILOSOFIA INTEGRAL | Ortega y Gasset e as Ideias dos Náufragos

Para Ortega y Gasset, importam apenas as ideias dos náufragos, pois elas se manifestam em um tipo de situação crítica e extrema. São pensamentos de alguém que se encontra em um cenário concreto, inescapável, fatal; pensamentos que, por esse motivo, dispensam o supérfluo e agarram-se ao essencial. Em meio ao caos e às restrições que enfrenta, o náufrago organiza sua vida com base naquilo que lhe está disponível. Nesta situação, não há espaço para a pose, para a falsidade, nem afetação; não faz nenhum sentido perder-se em sutilezas vazias e especulações estéreis. Diante do caos instalado, ele é obrigado a ser sincero e absolutamente honesto consigo mesmo, sem fingir que sua situação não é trágica. 

Do lado oposto às ideias dos náufragos, o filósofo identifica o abstracionismo científico, que, para manter a ciência coerente e lógica, recorta a realidade, purifica-a de sua experiência vital, afasta-a de suas incongruências práticas e evita, assim, suas contradições. Esse contraste entre a ciência, com suas estruturas artificiais, narrativas ficcionais e analogias, e a própria vida, onde as teses são contestáveis, as teorias encontram oposição e há elementos ocultos que influenciam os eventos, é o quadro pintado por Ortega para mostrar o nosso estado de alienação, de quem, ao se dar conta das contradições e imponderabilidade da vida real, refugia-se na mentalidade abstrata do laboratório, onde tudo parece controlável e harmonizável.

Foi, inclusive, essa atração por moldes que, ao nos dar uma sensação de estabilidade, nos fez criar formatos imaginativos com o objetivo de fazer tudo encaixar-se com perfeição. Desse anseio por segurança é que desenvolvemos nossos sistemas de governo, estruturas jurídicas e modelos sociais que nos permitem ter a ilusão de viver em uma situação minimamente previsível. No entanto, Ortega não nos deixa esquecer que tais construções não passam de abstrações, constituindo um verdadeiro mundo de faz-de-conta, um universo fantasmagórico de imagens fugazes.

Se vivemos como se tudo fosse inabalável e estável, ainda que instalados em terreno movediço, nos encontramos, então, como que hipnotizados, e para libertar-se dessa situação, o filósofo espanhol propõe-nos, como única saída, uma conscientização radical, uma abertura total de visão para o que está acontecendo. Para isso, ele insiste que precisamos compreender e reconhecer que o mundo que criamos é uma ilusão e, ao mesmo tempo, abraçar o caos em que vivemos, aceitando que este é o estado natural e fundamental das coisas; instiga-nos a enfrentar a vida de forma corajosa, sem nos escondermos no universo quimérico das ideias abstratas; aconselha-nos a reconhecer o caráter desafiador da existência e aceitar o fato de que nos encontramos perdidos.

Ortega, no fim das contas, exorta-nos a ser como aqueles que, pela característica extrema e vital que os acomete, encontram-se desprovidos de fingimento e engano; sugere que reconheçamos a fatalidade da nossa experiência real e exige, para que sobrevivamos nela, que consideremos aquilo que, verdadeiramente, deve ser levado em conta, que é o que realmente importa e que devemos imitar: as ideias dos náufragos.

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