ENTREVISTA | Forças globais contra o indivíduo

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Flávio Gordon fala sobre seu livro recém-lançado pela Inteligência Expressa

Se você quer entender mais sobre duas das forças globais que, atualmente, competem e colaboram entre si pela hegemonia das consciências e a escravização do indivíduo, não pode deixar de ler Globalismo vs Comunismo, do antropólogo, escritor e jornalista Flávio Gordon, recentemente publicado pela Inteligência Expressa.

Como aperitivo, acompanhe a entrevista que o autor nos concedeu esta semana.


Revista Esmeril: A Inteligência Expressa lançou recentemente seu livro Globalismo vs Comunismo. Quais as diferenças e semelhanças entre esses dois fenômenos globais?

Flávio Gordon: Antes de compará-los, penso ser importante sublinhar não se tratar aqui de uma comparação entre termos simétricos, uma vez que o comunismo é um fenômeno histórico anterior, o qual participa da gestação do globalismo – que teria como outro progenitor, por assim dizer, o socialismo fabiano (ou socialdemocracia). Ambos são versões do internacionalismo socialista e, em última instância, como sugere Yoram Hazony, do bom e velho imperialismo.

A principal diferença é que, enquanto o comunismo original tinha uma linguagem muito marcada ideologicamente, expressando-se nos termos do marxismo ortodoxo sobre a luta de classes entre o proletariado internacional e a burguesia, o globalismo recorre ao linguajar mais insosso (e, em tese, ideologicamente neutro) da diplomacia e das organizações internacionais, substituindo a luta do proletariado contra a burguesia por uma luta da humanidade contra os assim chamados “problemas globais” – crises ambientais, guerras, pobreza, fome, epidemias etc. Importa notar que muito dessa mudança foi perpetrada pelos próprios comunistas que, desde cedo, ocuparam posições de protagonismo e liderança dentro de organizações como ONU, UNESCO, OCDE etc.

Revista Esmeril: É fato que, frequentemente, vemos agentes do Globalismo apoiando e financiando iniciativas comunistas, ou o mais à esquerda possível. Por que isso acontece?

Flávio Gordon: Porque, sendo ambos fundamentalmente internacionalistas e elitistas (no sentido de acreditarem que o poder se funda sobre o saber antes que sobre a representatividade), globalistas e comunistas têm basicamente os mesmos inimigos, a saber: os defensores das soberanias nacionais e da descentralização do poder. Não é por acaso que muitos dos que os globalistas hoje acusam pejorativamente de “nacionalistas” ou “populistas” (rótulos quase sempre associados à direita) são também federalistas e distritalistas convictos, guiando-se pelo velho princípio da Revolução Americana: “No taxation without representation”. Para globalistas e comunista, ao contrário, there is only taxation and to Hell with representation! Ambos estão buscando monopólios, seja de ordem econômica, política ou cultural.

Como admitiu o político e financista americano Frederick C. Howe no livro The Confessions of a Monopolist, de 1906: “Essas são as regras dos grandes negócios; elas substituíram os ensinamentos dos nossos pais e podem ser resumidas a uma única máxima: arranje um monopólio, deixe a sociedade trabalhar para você e lembre-se de que o melhor negócio de todos é a política”. Ou, como diria anos depois o romancista britânico H. G. Wells em Russia in the Shadows: “O grande negócio não é, de forma alguma, antipático ao comunismo. Quanto mais o grande negócio cresce, mais se aproxima do coletivismo”. Compreende-se também por que, em 1997, George Soros tenha publicado na revista The Atlantic um artigo significativamente intitulado “A Ameaça Capitalista”.

Revista Esmeril: Fale um pouco sobre a estratégia revolucionária passiva-ativa, à qual você dedica um capítulo de seu livro.

Flávio Gordon: Essa distinção é da lavra de Antonio Gramsci, que, aliás, adorava esses pares conceituais. Refletindo sobre os problemas do comunismo russo, o marxista italiano percebeu que, dada a complexidade do desenvolvimento capitalista no mundo ocidental de sua época, o modelo leninista ortodoxo de tomada violenta do poder mediante um golpe de Estado, seguida do estabelecimento de uma “ditadura do proletariado” conduzida com mão de ferro por uma vanguarda revolucionária, tornara-se inadequado. As condições do Ocidente – com o capitalismo bem mais desenvolvido, assim como suas superestruturas políticas – eram muito diversas das do Oriente (leia-se, Rússia) em 1917, exigindo do partido revolucionário uma tática mais sofisticada e de longo prazo que aquela adotada pelos bolcheviques. Daí que, recorrendo a uma metáfora de estratégia militar, Gramsci afirmou a necessidade de substituir uma “guerra de movimento” por uma “guerra de posição”. E elaborou uma filosofia da história segundo a qual, ao longo do tempo, a luta revolucionária oscila entre uma fase “ativa” e uma fase “passiva”. A revolução bolchevique fora um exemplo de revolução ativa, mas o novo contexto histórico-cultural impunha a necessidade de uma revolução passiva, conduzida por meio de pequenas rupturas, quase imperceptíveis, que se acumulariam de maneira gradual num processo paciente de penetração na sociedade civil, processo por ele chamado de “hegemonia”.

Revista Esmeril: Fale um pouco, também, sobre o que você chama de “revolução global dos espíritos”.

Flávio Gordon: Essa ideia vem de Eduard Shevardnadze, ministro de relações exteriores de Gorbachev e um dos grandes teóricos da perestroika. Em seu livro L’Avenir s’Écrit Liberté, de 1991, o ex-chanceler soviético expôs o que seria uma nova visão do internacionalismo comunista, já não mais preocupado com a revolução mundial proletária, mas sim com os “problemas globais”. Afirmando a necessidade de se abandonar os confrontos ideológicos de outrora (entre capitalismo e socialismo, por exemplo), Shevardnadze mudava o foco para “a sobrevivência de toda a humanidade”. Essa mudança de foco representaria um novo modo de pensamento político. Em suas palavras: “A nova mentalidade – uma revolução global nos espíritos – deve esperar sua hora, quando a tomada de consciência quanto à iminência do perigo e do caráter incontornável da evolução histórica obrigará os homens políticos a pensar de forma diferente”. De algum modo – e isso se relaciona à pergunta anterior –, Shevardnadze pretendia aplicar o gramscismo em escala internacional, sendo essa “revolução global nos espíritos” a conquista de uma hegemonia cultural global, que preparasse o mundo para receber, indolor e consensualmente, o comunismo em suas novas vestes.

Revista Esmeril: Muitas pessoas ainda caem nas armadilhas do Globalismo, na tentativa de fugir dos avanços comunistas, assim como tantas outras pessoas são seduzidas pelo Eurasianismo, por exemplo, enquanto fogem dos avanços do Globalismo ocidental. O que fazer para escapar dessas “sinucas” com o mínimo de sanidade?

Flávio Gordon: Começando pelo Eurasianismo, note-se que ele mistura um nacionalismo russo advindo de uma velha tradição messiânica do cristianismo ortodoxo, segundo o qual a Rússia viria a ser a Terceira Roma, com o bolchevismo. Resta que tanto esse nacionalismo de inspiração ortodoxa (não esquecendo o quão estreita é a ligação da religião russa com o próprio Estado russo) quanto o bolchevismo são caracterizados por pretensões necessariamente imperialistas.

Inserindo o globalismo nessa perspectiva de comparação, pode-se concluir que os três tipos de imperialismo representam versões imanentizadas e terrestrializadas da ideia cristã primeva (católica) de universalidade. Enquanto a unidade buscada pela Igreja é escatológica – dispensando qualquer homogeneização étnica, sociocultural e política (“Vivendo em casas gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, os cristãos testemunham um modo de vida admirável e, sem dúvida, paradoxal”, como se lê na célebre Epístola a Diogneto) e mirando a “cidade de Deus” – os projetos imperialistas supracitados buscam uma unidade sociopolítica, mirando a edificação de uma “cidade de César” em nível global. Daí que, respondendo afinal à sua pergunta, eu diria que a única maneira de escapar dos variados projetos de governo mundial – projetos que poderiam ser tecnicamente chamados de “satânicos”, por inspirados no “príncipe deste mundo” – é apegar-se ao universalismo da Igreja Católica, lembrando que o termo grego Katholikós significa precisamente “universal”. Portanto, contra o Pankósmios comuno-globalista, apenas o Katholikós da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.


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