ENTREVISTA | A saúde mental no mais doente dos mundos

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Dr. Saulo Barbosa fala sobre peculiaridades da saúde mental na atualidade

Os problemas relativos à saúde mental sempre existiram. No entanto, a modernidade, que tem sido um tempo cada vez mais propício para o desenvolvimento desses problemas – em tempos de vícios, distrações e excessos de estímulos cada vez mais corriqueiros e normalizados, não há como ser diferente. Some-se a isso, ainda, o materialismo e o afastamento cada vez maior da transcendência e do sentido da vida, e temos um mundo doente como jamais esteve.

Para esclarecer um pouco mais a fundo essas questões, conversei com o Doutor Saulo Barbosa, médico psiquiatra com pacientes por todo o mundo e autor de O mínimo sobre saúde mental, lançado recentemente pela Editora O Mínimo. Acompanhe a entrevista a seguir.

Revista Esmeril: Fale um pouco sobre sua formação e sua experiência clínica no tratamento de saúde mental.

Dr. Saulo Barbosa: Sou médico psiquiatra com residência médica em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, idealizador e professor da ESB – Especialização em Saúde Mental –, possuo pacientes em todo o Brasil e nos cinco continentes, com mais de dez anos de experiência em consultório particular, bem como em serviços de Saúde Mental do SUS (CAPS e ambulatório). É um prazer poder contribuir numa entrevista com um tema tão importante e atual como a Saúde Mental.

Revista Esmeril: Você considera que o tempo em que vivemos pode ser considerado mais propício ao desenvolvimento de problemas de saúde mental?

Dr. Saulo Barbosa: Os problemas em saúde mental sempre existiram. Em meu livro recentemente publicado, O mínimo sobre saúde mental, eu cito relatos do Egito Antigo, passando pela Grécia e em toda a história humana. No entanto, há peculiaridades em nossa geração que não havia antes. Destaco aqui o excesso de estímulos, sejam por telas ou por redes sociais. Há a saturação de um neurotransmissor importantíssimo — a Dopamina —, responsável principalmente pela motivação e recompensa. Além disso, a hipercomunicação e a facilidade de transmissão de informações e dados fazem com que sejamos bombardeados com notícias ruins 24h por dia de todos os locais do mundo. Se em outros tempos ficávamos sabendo apenas das tragédias da “nossa vila”, hoje não só sabemos imediatamente sobre terremotos, desastres e crimes, como recebemos vídeos com imagens explícitas do ocorrido. O efeito das emoções negativas geradas por isso é um dos fatores que justificam os números alarmantes do adoecimento psíquico em nossos tempos.

Soma-se a isso as desordens do ritmo circadiano, restrição de sono, alimentação ruim, uso e abuso de drogas, sedentarismo e ambiente estressantes.

Revista Esmeril: Fale um pouco sobre a proposta e o conteúdo de seu livro O mínimo sobre saúde mental.

Dr. Saulo Barbosa: O objetivo do livro é abrir o entendimento do público em geral e dos profissionais em saúde mental para uma visão mais integral do ser humano. As últimas décadas foram marcadas por diversos reducionismos de várias abordagens que hipervalorizam a parte, negligenciando o todo – corpo, mente e espírito. Qualquer visão que exclua algum destes três componentes fundamentais estará negando aos pacientes o atendimento integral que eles merecem.

O livro é uma introdução para a visão mais completa e eficiente do desenvolvimento, manutenção e recuperação da saúde mental.

Revista Esmeril: Por fim, gostaria que comentasse as seguintes sentenças tiradas de seu livro: I) A saúde mental é diretamente influenciada pelas leis físicas e químicas que regem o corpo; II) Personalidade é história; III) A função da terapia é auxiliar o paciente a encontrar a verdade na realidade; IV) O melhor funcionamento do ser humano é o funcionamento temperante.

Dr. Saulo Barbosa: I) Por muito tempo a Saúde Mental foi dominada por linhas que desconsideravam totalmente a influência dos aspectos biológicos (hormônios, vitaminas, neurotransmissores etc.) no adoecimento psíquico. Quem se propõe a atuar na área da saúde mental precisa dominar as ferramentas das três áreas: biológica, psicológica e transcendente.

II) Muitos entendem que a personalidade é apenas um padrão mais ou menos estável de comportamento. Embora este a afete e influencie, há diversos outros fatores que atuam sobre ela, como a carga genética, padrões aprendidos na tenra idade, no seio familiar, possíveis complexos, incluindo o de inferioridade. O ponto central é que todas essas tendências nos influenciam a tomar decisões sobre como agir e nos comportarmos. O conjunto dessas decisões forma a nossa biografia, a nossa história.

III) A psicoterapia, quando bem feita e com a colaboração do paciente, é um excelente instrumento para o desenvolvimento da personalidade. O objetivo da psicoterapia é fazer com que o paciente enxergue para além da superfície dos sintomas, tendo como alvo a Verdade.

IV) A temperança é a virtude que modera o apetite para a comida, para a bebida alcoólica e o sexo – coisas que não são más em si mesmas, mas que têm o potencial de dominar a vontade de uma pessoa. Assim, a temperança é o caminho para que o ser humano possa ter um verdadeiro domínio de si. Ela é construída ao longo do tempo, evitando-se situações que nos hiperestimulem.


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