ENTREVISTA | A obscura modernidade

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Cesar Ranquetat Jr. fala sobre seu livro recentemente lançado pela Danúbio

Se você gosta de estudar os problemas da modernidade, ou se quer entendê-los melhor, conhecendo as bases teóricas e filosóficas que têm transformado o mundo contemporâneo numa distopia cada vez mais absurda, não deixe de ler o Livro negro do mundo moderno, de Cesar Ranquetat Jr., recentemente lançado pela Editora Danúbio.

Graduado em Direito, Mestre em Ciências Sociais pela PUC-RS, Doutor em Antropologia Social pela UFRGS e atualmente lecionando na área de Ciências Humanas na Universidade Federal do Pampa, Cesar revela nesta obra o resultado de anos de estudos sobre a modernidade junto a constatações objetivas da realidade presente.

Confira um pouco mais sobre o livro na entrevista a seguir.


Revista Esmeril: Qual foi a motivação para escrever seu livro?

Cesar Ranquetat Jr.: Foi uma dupla motivação. Uma motivação existencial e teórica. Existencial, pois, desde o começo da minha juventude sentia no ar um mal-estar na civilização, usando aqui o título de uma famosa obra de Sigmund Freud. Percebia que existia algo de errado no mundo, de que estávamos caminhando para o abismo. Isto me levou a devorar vários ensaios publicados nas décadas de 1920, 1930 e 1940 por historiadores, sociólogos e filósofos que tratam sobre a crise da modernidade e o declínio da civilização ocidental, como Antimoderno, de Jacques Maritain, A decadência do Ocidente, de Oswald Spengler, A crise do mundo moderno, de René Guénon, Uma Nova Idade Média, de Nikolai Berdiaev, Nas sombras do amanhã,de Johan Huizinga, e A crise do nosso tempo, de Pitirim Sorokin.

Estas leituras me levaram posteriormente a estudar Sociologia e Antropologia, ciências que são fundamentais para a compreensão da modernidade e para a análise comparativa entre as sociedades modernas e as denominadas sociedades tradicionais e arcaicas. Todas as minhas pesquisas gravitam em torno do problema da modernidade e da tensão entre tradição e mundo moderno. Com isto na cabeça, me propus a escrever um livro que tem como objetivo primordial examinar as principais ideologias que deram origem ao mundo moderno.

Revista Esmeril: Como foi o processo de produção do livro, e como ele está organizado?

Cesar Ranquetat Jr.: O livro é resultado de muitos anos de pesquisas, estudos e leituras. Está organizado em três capítulos, mais a introdução e as considerações finais. O primeiro capítulo intitula-se O liberalismo como força desintegradora, o segundo capítulo tem o nome de O Progressismo e o caos Pós-moderno, e o terceiro denomina-se Retorno à Ordem.

Importa destacar aqui que não analiso a modernidade do ponto de vista histórico e cronológico, mas em seu aspecto axiológico. Mais do que uma época história, a modernidade precisa ser entendida em seu sentido valorativo. O que isto significa? Isto tem o sentido de que a modernidade se autocompreende em termos axiológicos que se traduzem em uma valoração positiva de si mesma. De forma mais direta: a modernidade ocidental é compreendida como um valor, ou mesmo um conjunto de valores supostamente mais avançados e superiores que os princípios produzidos pelo mundo antigo e medieval. A modernidade se percebe como uma etapa na qual a humanidade superou seu estágio infantil e alcançou à idade adulta. Esta autocompreensão da modernidade implica um duplo movimento: a liberação da humanidade do transcendente e do sobrenatural e, com isto, a afirmação da emancipação dos indivíduos que se tornam os senhores da história e os dominadores da natureza por meio do uso da razão e do desenvolvimento científico e técnico.

Revista Esmeril: Você acredita que neste eixo liberalismo-progressismo, em torno do qual seu livro se organiza, resida a grande armadilha que captura tanto as pessoas que aderem à esquerda quanto à direita mundo afora?

Cesar Ranquetat Jr.: Sem dúvida. O liberalismo e o progressismo são as duas ideologias dominantes no mundo moderno e contemporâneo.

Como afirma o filósofo político francês Pierre Manent, liberal e moderno são termos equivalentes. As principais concepções e instituições políticas e jurídicas na contemporaneidade se originam do liberalismo. A visão de liberdade, do direito e da comunidade política que predominam partem de intuições liberais. O problema é que o liberalismo se fundamenta em uma antropologia individualista, em uma sociologia contratualista e em uma moral utilitária. Ademais, defende uma visão falsa da liberdade. É preciso sublinhar que a liberdade da modernidade não está subordinada à verdade e não está orientada por critérios, pois se o único critério é a própria liberdade, então o critério é não ter critério, como lembra o jurista italiano Danilo Castellano. A liberdade liberal é uma liberdade negativa, estribada na autodeterminação absoluta do indivíduo. É uma liberdade que conduz ao desengajamento, ao desenraizamento, à destruição dos laços que unem a pessoa a um conjunto de realidades que a antecedem e a ultrapassam, como a sociedade, a cultura, a língua, a nação, a civilização, a tradição e o divino. Em síntese, o liberalismo erige o indivíduo em valor supremo, transformando a liberdade puramente formal e abstrata em um ídolo.

A religião do progresso é um dos mitos fundadores da modernidade. Ela está ancorada na ideia de que a história humana e das sociedades evolui em um sentido unilinear, em uma marcha sempre positiva e ascendente, o que implica um constante aperfeiçoamento do homem e das culturas. O progresso encarnaria o sentido da história, assim como o ideal moderno de instaurar uma nova era da humanidade, em oposição às épocas precedentes, vistas como presas em superstições, mitos, religiões e em uma terrível irracionalidade. A ideia progressista baseia-se no sonho de criar um porvir radioso, em construir um homem novo e uma sociedade perfeita.

 A esquerda contemporânea é o principal vetor da ideologia progressista em seu anseio de libertar o homem de todos os limites e de transgredir todos os interditos. Esta visão libertária e permissiva pode ser condensada no slogan anarquista: “Nem Deus, nem mestre!”. Mas cabe também lembrar aqui a palavra de ordem dos jovens rebeldes envolvidos na contestação estudantil do maio de 1968 francês, que, sem dúvida alguma, segue este mesmo espírito emancipador: “É proibido proibir”. Busca-se viver uma vida sem entraves, sem constrangimentos morais e sociais. Deste modo, a ideia de progresso vincula-se com a utopia de viver uma existência menos dura e pesada, procura-se ansiosamente uma existência mais prazerosa voltada a total satisfação dos desejos.

Embora a ideologia do progresso tenha sido duramente criticada ao longo do século XX e XXI, ela ainda permanece com força em nosso imaginário social e em nosso panorama cultural e midiático. Principalmente na forma do gosto pelo novo, na apologia do movimento e da mudança, no culto da moda, na exaltação do presente, ou seja, na ideia de viver o aqui e o agora e na estima exagerada pela modernização e pelas inovações tecnológicas.

Revista Esmeril: Comente um pouco sobre a terceira parte do seu livro, “O retorno à ordem”.

Cesar Ranquetat Jr.: O retorno à ordem implica o abandono e a superação deste grande desvio, desta gigantesca anomalia chamada modernidade, que, de certa forma, pode ser vista como uma heresia do cristianismo, ou melhor, como afirmava Chesterton, trata-se de uma filha rebelde da Igreja, de um mundo criado por “ideias cristãs que enlouqueceram”.

O retorno à ordem significa a recuperação da metafísica, do simbolismo e, portanto, de uma visão sacral do homem e do universo. É um retorno à normalidade, ao bom senso e à Tradição, com a restauração do que melhor foi pensado pela antiguidade greco-romana e pelo cristianismo.


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