DOSE DE FÉ | José de Anchieta

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Apóstolo do Brasil, São José de Anchieta foi decisivo para o estabelecimento da civilização em nosso território 

Hoje é dia de São José de Anchieta, sacerdote.

Nascido em Tenerife, nas Ilhas Canárias, em 1534, Anchieta estudou no Colégio das Artes, em Coimbra, onde levou uma vida de rigoroso estudo e persistência na fé, afastando-se da licenciosidade vigente entre muitos membros daquela instituição.

Entrou com pedido para ingresso na Companhia de Jesus em 1551, fazendo seus primeiros votos como jesuíta em 1553, mesmo ano em que embarcou para o Brasil na esquadra de Duarte da Costa, nosso segundo governador-geral. Pouco antes, havia recebido um prognóstico médico de seis meses de vida, com uma dolorosa enfermidade nos ossos, que o tornou corcunda ainda na juventude, e decidiu que iria dedicar seus últimos dias à salvação das almas indígenas no Brasil.

Chegou no Brasil em 1554 e, desde então, jamais interrompeu seu apostolado de fé. Sua saúde foi restabelecida, e seu vigor no trabalho missionário era tanto, que foi apelidado pelos índios de São Vicente como Abaré bebé, que quer dizer Padre Voador, tal era a velocidade com que se deslocava de um lugar a outro para fazer suas pregações. Em seus anos de apostolado, trabalhou incansavelmente para a difusão da fé cristã e a conversão dos povos indígenas no Brasil, tendo trabalhado nas capitanias de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia. Teve atuação decisiva, inclusive, no desfecho dos conflitos entre portugueses e índios tamoios, instigados pelos invasores franceses, na Confederação dos Tamoios.

O jovem padre recém-chegado ao Brasil já participou da fundação da segunda escola jesuítica no país, na então São Paulo do Piratininga, em 1554. Com 19 anos de idade, era o primeiro professor daquela que viria a ser a cidade mais importante do país, ensinando latim para os irmãos jesuítas que viviam ali. Passava noites em claro copiando as lições para seus alunos, que não dispunham de livros ou manuais.

Além disso, seu rápido domínio das variantes locais (sobretudo o tupi e a língua brasílica) o habilitou a atuar com grande facilidade e eficiência em seu trabalho catequético entre os povos indígenas com que teve contato. Chegou, inclusive, a auxiliar seu mestre, o Padre Manuel da Nóbrega, que nunca conseguiu aprender muito bem a língua geral, na confissão dos índios.

Com seu conhecimento linguístico, Anchieta publicou, em 1595, a Arte da Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, a primeira gramática escrita no país. Também escreveu o Diálogo da Fé, uma espécie de catecismo destinado ao uso dos missionários para a introdução dos indígenas na fé cristã, com a versão em Tupi de diversas orações, assim como de trechos extraídos da Bíblia.

Seu apostolado também se desdobrou na literatura, por meio de peças teatrais e poemas que ele escreveu em português, castelhano e tupi. Seus autos compostos na língua indígena, por exemplo, encenadas pelos nativos convertidos, eram tramas simples, com o foco na luta do bem contra o mal, com a presença de santos mártires (como São Lourenço, São Sebastião, São Maurício e Santa Úrsula), demônios (muitas vezes encarnados como os chefes indígenas antropófagos não convertidos ou almas de antigos imperadores romanos responsáveis pelo genocídio contra os primeiros cristãos), anjos, almas desorientadas e personagens alegóricos. A principal preocupação desses trabalhos era o combate aos costumes bárbaros que faziam parte da cultura local, sobretudo os rituais pagãos que envolviam a prática do canibalismo.  

Em sua obra lírica, evidencia-se a sua devoção à fé católica e, sobretudo, a Nossa Senhora (aliás, Anchieta também é considerado o introdutor da devoção mariana no Brasil), a Jesus Menino e à Santa Eucaristia. Seu principal poema mariano  é o De Beata Virgine Dei Matre Maria, um poema de cerca de 6 mil versos em honra à Mãe de Deus, composto sem papel ou tinta, mas com gravetos nas areias da praia, quando Anchieta foi refém dos indígenas em Iperoig (hoje Ubatuba), por sete meses durante os quais eram realizadas as negociações da paz da Confederação dos Tamoios. 

Essa produção literária, sobretudo a teatral, revelou-se essencial não só para evangelização dos indígenas, mas também para sua educação, sobretudo na formação das crianças (com o tempo, muitos dos índios que estudaram nas escolas jesuíticas tornaram-se eles mesmos padres missionários).

José de Anchieta morreu em 9 de junho de 1597, na vila de Reitiriba (atual cidade de Anchieta), onde passou seus últimos anos. Aquele jovem que tinha uma perspectiva de apenas seis meses de vida viveu até os 63, e sua obra apostólica foi gigantesca. Em 1980, foi beatificado por São João Paulo II, e em 2014, canonizado pelo Papa Francisco, que o declarou Apóstolo do Brasil.

São José de Anchieta, rogai por nós!

 

Anchieta entre os tamoios

 

Cativo entre os tamoios se encontrava
o jovem jesuíta Padre Anchieta,
enquanto alguma paz se negociava

 

entre lusos e francos, numa treta
travada em território brasileiro.
Sequiosos os selvagens de vendeta,

 

tramavam contra o padre o tempo inteiro,
agindo, atrozes e ameaçadores,
pra arremessar-lhe a alma num braseiro.

 

Tentavam incutir-lhe mil pavores,
de morte e de tortura o ameaçando,
enquanto ia o pobre padre as dores

 

da fome e dos maus tratos vivenciando.
No entanto, resistia inabalável
o heroico jesuíta, mesmo quando

 

o fim lhe parecia inevitável.
Tramaram nova tática os gentios,
e, simulando um trato mais amável,

 

tentaram corromper-lhe a fé e os brios.
Banquetes com cauim lhe ofereceram,
e belas virgens para compadrios,

 

porém, nem mesmo assim arrefeceram
sua fé, e então, pela primeira vez,
seu misterioso Deus alguns temeram.

 

Diante de tamanha solidez
de fé, as penas foram-lhe abrandadas,
e o prisioneiro, pescador se fez:

 

na mata, missas eram oficiadas,
entre onças, cascavéis, sabiás e anus,
e as almas dos indígenas fisgadas

 

aos poucos iam sendo pra Jesus.
Ainda mais espanto lhes causou,
quando, inspirado por divina luz,

 

as areias da praia registrou
o santo jesuíta seis mil versos
à Mãe de Deus, que lhes apresentou

 

e em cuja caridade os pôs imersos,
advindo dessas epopeias santas
mais um sem-número de féis conversos.

 

A paz, enfim, chegou depois de tantas
negociações, triunfando, gloriosos,
os lusos sobre os francos sacripantas.

 

Nem lá nem cá, porém, mais poderosos
saíram-se os soldados aguerridos
que Anchieta, em seus trabalhos caridosos,

 

tendo feito os tamoios convertidos!


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