CULTURA | O Vício Coletivo do Cancelamento e a Perversão de Significados

Ian Maldonado
Ian Maldonadohttps://auroraprime.com.br/
Ian Maldonado é cineasta e documentarista, responsável pela produtora Aurora Entretenimento e sua plataforma de streaming, a Aurora Prime. Diretor de 'Lockdown: Uma História de Desinformação e Poder' e editor ou colorista de vários outros. Esgrimista de tolices nas horas vagas.

Recentes respostas coletivistas alimentam o monstro do controle social

Após quase cinco anos de seu lançamento, o filme “Como se tornar o pior aluno da escola” entrou para o catálogo da Netflix e acabou virando assunto por conta de uma cena em que Fábio Porchat interpreta um pedófilo que tenta aliciar Pedro e Bernardo, alunos da “Escola Albert Einstein”, em seu apartamento.

Veja só que absurdo! Um filme retratando um criminoso… Como um criminoso. Alguns até pediram a prisão de Danilo Gentili, idealizador e roteirista do filme, e Porchat, que viraram alvos de investigação por parte do Ministério Público — aparentemente não há problemas mais sérios para lidar.

Essas reações retardatárias ao filme de Gentili, não passam de afetações histérica. Ninguém acredita verdadeiramente que aquilo ali seja algum tipo de apologia à pedofilia ou o que quer que seja, mas repetem porque ele não faz mais parte do mesmo time. O senso de proporção foi para o espaço e quem reforça o coro pedindo prisão ou investigação de qualquer um dos envolvidos ajuda, na verdade, a normalizar situações realmente anormais, diluindo as perversidades de obras realmente infames.

Exemplo disso são: “Cuties” (2020), da Netflix — premiado em Sundance, cujo co-fundador, Sterling Van Wagenen, fora condenado a seis anos de prisão por ter abusado sexualmente de uma criança —, e o brasileiro “Amor, Estranho Amor” (1982), que possui uma cena quase pornográfica de Xuxa Meneghel com um garoto de 12 anos. É como a fábula do pastorzinho mentiroso, de Esopo, que vivia aos berros de “Lobo! Lobo!” e, justo quando um lobo realmente ataca o rebanho, ninguém mais acredita.

Se representações de crimes no ambiente cinematográfico são passíveis de punição real — parece que a tal suspensão da descrença, necessária para o engajamento do público com a obra, tomou um rumo inacreditável por aqui —, deveriam ser presos, portanto, Al Pacino, por seus papéis como os mafiosos Tony Montana e Michael Corleone, e Anthony Hopkins, por ter interpretado um assassino antropófago em “O Silêncio dos Inocentes”.

O que dizer também dos criadores de “O Massacre da Serra Elétrica” (1974), que mostra uma família que se transformou numa seita incestuosa e canibal cheia de doentes mentais? E Leonardo DiCaprio e Quentin Tarantino? Fizeram apologia ao racismo em “Django” (2012)?

Em “O Exorcista” (1973), a garotinha Regan McNeil, possuída pelo demônio, se masturba com um crucifixo numa patente demonstração de afronta a Deus, e esse era justamente o filme favorito do Padre Gabriele Amorth, renomado exorcista italiano.

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“Eu, medo de Satanás? É ele que deve ter medo de mim. Eu trabalho em nome do Senhor do mundo. E ele é só o macaco de Deus.” — Padre Gabriele Amorth

Percebe agora quão ridícula é essa discussão quando reduzida ao absurdo? O cancelamento, a censura e a perseguição não têm fim e as verdadeiras vítimas acabam sendo a própria linguagem — que, a propósito, controla a forma que pensamos — e a criatividade. O caso atual é tão somente um reflexo da mais falsa e vaidosa demonstração de virtude, diariamente praticada pela esquerda e denunciada por aqueles que se dizem integrantes da “direita”; o que confirma toda a patetice desse expediente.

Há outro grupo preocupado apenas com a “classificação indicativa” da obra — como se isso interferisse em algo. Particularmente, não confio em burocratas definindo o que deve ser adequado às crianças; uma parcela tão significativa da educação e formação do imaginário jamais deveria ter qualquer tipo de relação com o que o estado permite ou reprova. Em suma, delegar ao estado a responsabilidade pela educação dos próprios filhos não me parece uma atitude inteligente nem correta. Felizmente, a classificação ainda é indicativa e não imperativa, como muitos desejam.

Se não tiver um fim lamentável, o episódio serve para demonstrar, mais uma vez, quanto a sociedade perdeu do senso de humor e pretende apenas viver num mundo de ‘aparências’.

Tais grupos se desconectaram da realidade e se tornaram sombras de si mesmos, que encontram refúgio no espírito coletivista do cancelamento.

Atualização: o Ministério da Justiça e Segurança Pública determinou que as plataformas detentoras dos direitos do filme “Como se tornar o pior aluno da escola” em seu catálogo suspendam a exibição imediatamente em caráter cautelar. Com isso, o Estado dá mais um passo em direção ao mais absoluto controle social.


Eis ao que leva o intervencionismo do Estado: o povo converte-se em carne e massa que alimenta o simples artefacto e máquina que é o Estado

— José Ortega y Gasset

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2 COMENTÁRIOS

  1. E o pior é que se trata de um filme tipo “besteirol”.

    Realmente os petistas de direita estão impossíveis!

    Parabéns pela matéria 👏👏👏

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