CULTURA丨Os menestréis de  ninguém

Fredera
Frederahttps://www.instagram.com/frederico943/
Guitarrista, artista plástico, escritor, jornalista, historiador. Acompanhou Milton, Gal, Raul, Gil, Fafá, Ivan, Gonzaguinha. Três discos solo: Aurora Vermelha (1981), Fredera no CCBB (restrito) e Balada a um Anjo na Terra - Iris Blues (1989/2018); escreveu O Crime contra Tenório - Saga e Martírio de um Gênio do Piano Brasileiro, livro que desvenda a intervenção internacional sobre nossa música (através da imposição da canção de mercado como um monopólio intransigente que brecou a arte e a cultura no Brasil de 1963 até 1984) e que penalizou músicos pensadores, especialmente instrumentistas, e do que indiretamente resultou a morte do pianista Francisco Tenório Jr., preso, torturado e eliminado em Buenos Aires em 1976. Reside em Alfenas, Sul de Minas, onde se dedica a pesquisa em artes plásticas e ministra cursos de especialização de solistas especialmente em guitarra e contrabaixo, empreende pesquisa sobre a arte e a cultura no Brasil no século XX.

Dilema atual: quem vai em fins de semana a bares e restaurantes normalmente tem de comer/beber/conversar aturando um repetidor de sucessos pop/emepebísticos de antanho. Denominam isso de “música ao vivo”. Sua origem é vaga. Evolução natural? Impuseram? Bem, é deglutir o rango eructando desembolsar couvert ou se pirulitar e abocar alhures.

Lá pra 1985 irromperam amadores levando violão ou teclado pra bares e entoando cantares. Inovação “cultural” espontânea ou plano enrustido? A MPB, retirado o monumental investimento que a impelira por duas décadas, fora substituída por formas cancionísticas primárias e regressivas: sertanejo popizado/urbanizado, pagode pasteurizado e lambada paroxística logo virando axé – binário também e igualmente indigente: ritmo quente conduzindo cantoria/pulação sem teores. Vergávamos sob outra injunção, indigesta, retrocessiva.

Poucos bares e/ou restaurantes hoje dispensam “música ao vivo”, rebento bastardo da MPB, empobrecido entretenimento apelintrado. MPB e música ao vivo são canção, subgênero musical. É índole das intervenções embaralhar conteúdos/categorias, receita para subverter culturas.

Imprevista contrafação, gogós dessa “inovação” cantam para comedores/bebedores/conversadores, ficando um boneco tocando e cantando para platéia com seus objetivos. Piorando, a cantoria estorva o falario, gerando embate poluente, porque os comedores/bebedores/falantes avolumam a palra buscando audibilidade. 

Cantar pressupõe audiência, presuma-se. Ninguém quer bancar adereço baldo, simples adorno, presença decorativa. Mas essa desunidade parece regra, irrecorrível.

“Música ao vivo” é conceito contraditório; ao vivo significa transmissão radofônica ou televisiva no ar, hoje denominada “em tempo presente”. Quem cunhou a expressão pretenderia alternativa para música fonomecânica. 

Adoniran Barbosa, em comercial da Antártica décadas atrás, perguntou, irreverente/divertido: “Nós viemos aqui pra beber ou pra conversar?”. Adaptando aos invasivos cantares decorativos, saímos pra beber/comer/conversar ou pra ouvir gogós chilreantes? Vira patuscada juntar coisas não complementares/orgânicas, o desarranjo é inevitável.

Os menestréis de ninguém suportam sua intransitividade, exceto se aparecerem torcidas eventuais. Não fazem música, apenas palram simulacros/arremedos requentados de sucessos promovidos décadas atrás pela máquina industrial da canção/mercadoria MPB.

Permitindo-se ou aturando cantar para ouvidos contingentes, os menestréis de ninguém fomentam incomunicabilidade. A música verdadeira vai sendo eclipsada/desbancada por ação deles. Parece algo manipulado sutilmente e executado bovinamente.

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