SANTO CONTO | Dom Josafá e o pequeno Vlad

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Conto baseado no martírio de São Josafá

Dom Josafá Kunewics vinha de uma visita pastoral às paróquias de Vitebsk quando foi abordado por alguém que lhe correu em disparada sem pedir licença nem bênção. Chegou pulando em torno do Arcebispo, latindo, abanando o rabo e se rebolando todo, em plena alegria reforçada pela receptividade e os afagos de Sua Reverendíssima, que nutria um carinho especial por cachorros.

Alguns membro mais sisudos de sua comitiva olhavam com desaprovação, mas Dom Josafá sequer prestava atenção à sua volta agora, tão entretido estava com o novo amigo, já pensando em qual nome o belo vira-latas receberia.

Foi então que um grito de dor o fez despertar. Um de seus diáconos estava inclinado no chão, a cabeça sangrando, havia acabado de receber uma pedrada. Então olhou em torno e viu mais pedras vindo em direção de sua comitiva. De onde vinham as pedras pôde escutar palavrões e insultos. Imediatamente soube do que se tratava. Eram cismáticos possessos, e vinham para matá-lo.

Alguns dos seus quiseram cercá-lo para o proteger, mas ele tomou a frente do grupo, em direção à turba que já se avistava. O cachorro foi-lhe atrás. Avançou com os braços para o alto, como se suplicasse ou impusesse sua autoridade, evocando o noma de Virgem Santíssima:

– Por que ferem os meus, se é a mim que querem? Que mal lhes fizeram estes a quem vocês atacam? Em nome de Jesus, Maria e José, acalmem-se e, se apenaa o sangue hoje puder aplacar sua ira, que seja somente o meu!

Os revoltosos gargalharam, acercaram-se de toda a comitiva, foram dando socos e pontapés. O primeiro que acertou um tapa na cara do Arcebispo foi atacado pelo cão. O animal cravou os dentes com tanta força em seu braço, que só soltou depois de três pauladas violentas. E atacou novamente, ferindo mais um, e depois outro. Aí, uma pedrada certeira rachou-lhe o crânio e o bicho ganiu, caindo morto.

Dom Josafá, enquanto era arrastado pela turba furiosa, olhava compadecido para o pobre Vlad (era esse o nome que teria ganhado), estendido no chão com a língua de fora, mas já conversava com o Senhor, entregando-Lhe sua própria alma e pedindo pelas dos seus e também pelas dos cismáticos, para que pudessem se converter e ser perdoados.

De joelhos, foi obrigado a assistir um por um dos membros da sua comitiva serem mortos a pauladas. Eram sacerdotes, diáconos e assistentes queridos, filhos espirituais seus, conhecia-os intimamente, cada um deles, tinha-os como almas irmãs. Chorava vendo-os desfalecer em poças de sangue enquanto encomendava suas almas a Nosso Senhor.

Quando caiu morto o último, um coroinha de apenas catorze anos, voltaram-se a ele e o cobriram de chutes e socos. Depois, quebraram-lhe as pernas e os braços, sempre às gargalhadas. O tempo todo ele rezava, e até depois que desfaleceu, continuou em oração contínua.

Os possessos, que o julgavam morto, arrastaram-no para a beira de um rio e, em um último regalo de malvadez, amarraram a seu corpo o do pobre vira-latas. Bêbados de sangue, jogaram-nos na água e foram embora rindo, deixando para trás o rastro de corpos e sangue, pecado do qual felizmente ainda iriam se arrepender antes do fim.

No fundo do rio, o Arcebispo continuava a rezar enquanto a água entrava em seus pulmões. Quando encerrou as orações, já não sentia mais a dor dos ossos quebrados ou das pancadas na cabeça. Estava seco e renovado. Os queridos filhos de sua comitiva vinham recebê-lo, estavam todos Lá. Abraçou um por um, com aquela sensação de felicidade eterna. Respirou fundo e sentiu uma das mãos sendo lambida.  O pequeno Vlad o olhava alegre, abanando o rabo.


Esse conteúdo é exclusivo para assinantes da Revista Esmeril.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor