BRUNA TORLAY丨Condecoração de petistas e o futuro das Forças Armadas

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

A examinar a história política do mundo, incluindo obviamente aí a história de cada uma das guerras evitadas ou inevitavelmente travadas por quaisquer cidades, reinos e nações, a afirmação mais ridícula que um militar poderia proferir é seu horror à “politização das forças armadas.” Se política é guerra, realidade em função da qual forças armadas existem, separar homens formados para guerrear da ação política é destroçar o ser da própria política.

Mas eis que o senhor Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha brasileira, repetiu esse truísmo imbecil com ares de superioridade intelectual, acrescentando ainda que cabe ao STF interpretar a Constituição, não competindo às Forças Armadas papel moderador algum. Diante de tamanha pobreza de espírito imbuída de paixão ao consenso artificialmente fabricado pela imprensa – outra instituição intrincada à ação política, apesar de uns vigaristas defenderem que exista “jornalista isento” –, resta-nos torcer com todas as nossas forças para que o país não afunde em caos ou guerra civil, quadros cuja pacificação dependeria das Forças Armadas, cujos comandantes decidiram se esconder debaixo da capa dos ministros do STF.

Neste cenário, por que eu deveria me espantar com a condecoração de José Guimarães, coadjuvante maior do flagrante delito mais caricato da desordem política nacional? Esse homem, que Lula escolheu como líder do governo na Câmara dos deputados, é o chefe do assessor que foi pego no aeroporto de Congonhas com 100 mil dólares escondidos na cueca – além de outros 209 mil reais dentro da mala de mão. Mas o caso prescreveu e a possibilidade de punição foi extinta, sabem como é, por falta de provas. Isso mesmo: para quem não sabia como havia terminado o episodio dos dólares na cueca, saibam que o protagonista e seu chefe foram ambos absolvidos por falta de provas. Afinal, que relação um punhado de dólares enfiados numa cueca podem ter com o erário nacional? Cada homem é livre para adotar a carteira que melhor lhe sirva, não é mesmo?

A Revista Sociedade Militar reagiu à atribuição do título de Grande Oficial da Ordem do mérito Naval ao atual líder do governo na Câmara, condecorado ao lado de Randolph Rodrigues e outros civis, com uma nota cheia de indiretas delicadas. Explicam ali que o artigo 39 do regulamento aconselha extinção do título aos agraciados “que cometam crimes de natureza comum em qualquer foro, ou causem prejuízo à dignidade nacional”. O outro tapinha com luva de seda recorda o critério por trás da condecoração: “ela deve refletir fielmente a índole e moralidade da nata da nossa sociedade”. A listagem de condecorados, portanto, seria o “espelho do que de melhor temos no país”.

Foi tudo que se disse ali. Além claro, de revelar que o título equipara os agraciados ao posto de Vice-Almirante, patente das mais altas entre as 17 existentes na marinha. Mais precisamente, o posto nº 15, atrás apenas de Almirante-de-Esquadra e Almirante. A conclusão evidente desta historinha é que o valor das Forças Armadas em suas três instâncias é agora equivalente à moralidade doente da sociedade brasileira, cuja crise espiritual beira o incurável.

Coitados dos integrantes da marinha condecorados em outras épocas, obrigados hoje a rasgar suas medalhinhas ao se olhar no espelho buscando a forma de sua consciência. Aqueles que sabem quem são certamente não têm motivos para orgulhar-se de partilhar patentes com pessoas que encarnam a crise moral profunda que hoje define o país e envergonha os dissidentes. A razão de ser da própria política foi destroçada pela ignorância de muitos cabeças das Forças Armadas, que agora saem de fininho de cena após causar ao país 100 anos de confusões, disputando o poder com as demais oligarquias sob a influência de ideologias equivocadas. Quando as forças armadas de um país qualquer se tornam a figura da acomodação e a expressão máxima da covardia, incapazes de olhar-se no espelho em busca da consciência deformada, visando a resgatar, que sentido faz soltar memes sobre a condecoração dos indicados do atual presidente?

Na edição de junho da Revista Esmeril, um oficial da reserva que manteve-se firme diante do espelho, buscando conservar a consciência inteira ao longo da vida, disse claramente o quão mal fez às Forças Armadas ter passado a vida jogando suas mazelas para baixo do tapete.

Quanto ao vínculo indissociável entre Exército e Política, basta conferir a biografia dos maiores ícones já existentes. Todo político é um guerreiro. A formação moderna diverge da formação antiga quanto à fonte de recursos para a formação e atuação dos soldados. Os antigos pagavam por ela. Custeavam as armas e eram reconhecidamente líderes na cidade porque tinham condições concretas de protege-la. Os modernos centralizam no Estado a função de organizar o exército, de modo que qualquer pessoa pode se alistar e terá, da nação, a garantia de sustento, formação e equipamentos. Não é um modelo aristocrático; mas democrático. De resto, enquanto política for guerra, competirá aos militares, POR DEFINIÇÃO, integrar a vida política nacional. O truísmo “politização das forças armadas” é a contradição mais imbecil já enfiada na cabeça de almas vazias e completamente ignorantes sobre as funções das armas na história política do mundo.

Ah, claro… Exércitos atrelados ao Estado têm por destino espelhar a qualidade do Estado de que são braços. Daí a necessidade urgente de a população entender, de uma vez por todas, que as belas intenções de jovens empenhados em dar sua vida pela segurança e liberdade dos que amam acabam sendo absorvidas, ou desprezadas, pela degeneração geral da República. O dilema dessas pessoas concretas é aderir-lhe ou restaurá-la por dentro. A decisão do atual comandante foi aderir.

Um dia eu passeava no centro histórico de Ilhabela e aproximei-me de um jovem triste que segurava folhetos invocando outros jovens a se alistar na marinha. Ele me estendeu o folheto. Eu perguntei se ele estava feliz com a decisão – afinal, parecia deprimido. Ele me respondeu que o fizera por necessidade, não por vocação. Devolvi-lhe o folheto e desejei-lhe dias melhores.

Se quisermos brincar de usar a palavra “liberdade” em manifestações públicas ou postagens de internet, seria bom pensar na imperativa necessidade de rever a saúde espiritual dos integrantes das instituições que sustentam a possibilidade da política no Brasil – as ditas forças armadas – antes que elas simplesmente se desintegrem diante da próxima tempestade.

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