BRUNA TORLAY丨As relações entre um povo e seus políticos

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Cada povo se relaciona de maneira particular com seus políticos. Espera deles certas atitudes; perdoa ninharias aqui, condena ferozmente mesquinharias ali; encanta-se com esta pintura; rejeita aquela estatura, etc. Há quem diga que os políticos de uma nação refletem seu povo – máxima pouco lisonjeira para quem mora no Brasil. Tenho para mim que as tendências de governo mais persistentes num país refletem o tipo de relação entre um povo e seus políticos.

Nós brasileiros, temos uma relação de vassalagem com nossos políticos. É como se fossem nossos donos, de forma que devam nos assegurar cuidados obrigatórios, como trocar a água ou prover ração suficiente. Uma relação canina, não por acaso expressa em devoção irracional, sistemática e intensa para com o mestre de nosso destino.

Não nos relacionamos com nossos políticos como se fossem empregados de maus hábitos a quem é preciso dirigir com uma enforcadeira de aço. Não esperamos que sejam leais, tampouco que obedeçam ao nosso comando em situações de vida ou morte. Quando se associam ao ladrão que invadiu nossa propriedade, logo nos pomos abanar a cauda para o novo amigo que, por um momento, parecera um bandido inoportuno.

Vejam a alegria dos enfermeiros comemorando o aumento do piso nacional da categoria alguns dias atrás. Recordem quantas pessoas economicamente ativas – embora atuantes no mercado informal – sacaram o auxílio emergencial durante a pandemia, certos de que cabia ao governo prover-lhes aquela renda extra. Ouçam o garoto do Piauí que atribui a um notório corrupto o seu fio de esperança. Vejam a animosidade com que matilhas inteiras ladram para toda e qualquer voz impertinente que ouse satirizar ou desprezar seus donos.

Claro que não temos político de estimação. São eles quem nos têm em alta estima.

Não é um comportamento associado a uma ideologia em especial; tampouco a uma visão de administração pública peculiar. É o modo como, seja lá por que motivo, o povo brasileiro se relaciona com seus políticos. Daí o sentimento de absurdo quando personalidades excêntricas insistam em que o modo correto de lidar com políticos seja pressionando-os a andar conforme o passo daqueles a quem devem satisfações – a saber, nós eleitores, ou cidadãos, ou pagadores de impostos.

Para o brasileiro, é absolutamente natural amar o dono que enche seu pote de ração no final de um dia de caça durante o qual, como um ágil cocker spaniel, apanhou com força, alegria e vigor uma dúzia de aves nobres. Se os peixes fossem domésticos e alguns pudessem capturar lagostas, a analogia beiraria ao literal.

Por que somos assim? Só Deus sabe. Mas que nossos proprietários não descuidem de providenciar um confortável cobertor velho quando chegar o inverno! Fidelíssimos aos mais antigos instintos da espécie, sabemos latir, morder e espantar donos displicentes, assim como abanar a cauda para o doce estranho que, por estima e piedade, é claro, promete aliviar-nos de uma coleira apertada demais.

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