O Brasil de 2022 é muito melhor que o de 2002

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Em vinte anos, o que mudou em definitivo no cenário político brasileiro?

A situação agora é melhor, muito melhor, que em 2002. Politicamente, ao menos, é verdade.

Por exemplo, atualmente, o PSDB vem perdendo espaço para uma a Direita liberal “limpinha” – o que é um avanço em relação aos tucanos. Precisamos reconhecer-lhes ao menos isso. Os tucanos nunca conseguiram ser oposição ao PT. No fundo, concordavam com o governo. Ademais, ser muito crítico ao PT os aproximava da Direita. “Oh, o horror!” O fato é que o PSDB só vestia a carapuça de “Direita” nas vésperas das eleições. A rixa que havia entre os dois principais partidos brasileiros de então era meramente administrativa.

Politicamente, PT e PSDB não são muito diferentes. As discordâncias são na forma de gerir o Estado. Quando o PT buscou o Centro na política econômica, quando tudo parecia bem no Brasil, o PSDB ficou sem discurso. O resto da agenda dos dois partidos é igual. Nós ficamos sem oposição, e o PT ficou livre para fazer o que bem entendesse.

Os tucanos recebiam votos que não eram seus por força gravitacional. Agora há quem receba esses votos que o PSDB jamais desejou representar. Somando isso aos tucanos não conseguirem emplacar entre os eleitores de Esquerda e ao Novo tomar parte do voto liberal da Direita, o real tamanho do partido ficou evidente. Se perderem o governo e a prefeitura de São Paulo, adeus. Ainda assim, mesmo mantendo-os, a tendência do partido é passar a ser cada vez mais coadjuvante.

A situação agora é melhor, muito melhor, que em 2002. Porém, ainda é ruim e turbulenta. Estes são os dilemas do jogo eleitoral brasileiro para 2022. Nós ainda não temos duas forças políticas opositoras e complementares. O que temos por ora são dois indivíduos, representantes de ordens políticas distintas.

A Esquerda tem estrutura e instituições, mas não tem votos fora da base. Só quem consegue ir além da base é o Lula. A Direita tem eleitorado, mas não tem estrutura e nem instituições. Só quem consegue as substituir é o Bolsonaro. Chegamos nessa situação pois tal personalismo é conseqüência das regras do jogo.

Política é proibido. A CF/88 é anti-política. Quem decide políticas públicas são o Judiciário e a burocracia. As eleições não são sobre política; são realmente restritas à gestão. Pelo regime vigente, vota-se para melhor administrador.

No fundo, há apenas um cargo em disputa que realmente importa: o de chefe do Executivo. Todos os demais cargos são impessoais; ao menos, em relação aos cidadãos. O Legislativo é absolutamente irrelevante. As regras eleitorais espelham e promovem isso. Não é à toa que o brasileiro esquece rapidamente para quem votou nas eleições proporcionais.

Contudo, o chefe do Executivo é meramente um gestor de relações, num jogo em que o eleitorado só se faz importante a cada pleito. Só uma pessoa interessa para o eleitorado. Essa única pessoa é obrigada a lidar com quem é irrelevante para o eleitorado por quatro anos até as novas eleições. E chamam isso de “democracia”.

O fato de a atual Constituição ser parlamentarista sem primeiro-ministro só agrava a situação. Pelas regras, é esperado que o presidente forme a maioria. Contudo, trata-se de um movimento de vetor oposto à lógica parlamentarista em que a própria CF/88 se baseia. Diante de tal contradição, como é que o presidente forma a maioria? Comprando um Congresso cujos membros não respondem diretamente ao eleitorado.

O Collor e a Dilma não entenderam isso e caíram. O Bolsonaro é o primeiro que tenta mudar essa dinâmica sabendo das conseqüências. É por isso que, apesar de tudo, ele ainda está de pé – e, até por isso, que Bolsonaro é único. Fosse outro, o mais provável seria já ter sido defenestrado. Espera-se, para o bem do Brasil, que tal situação não perdure por muito tempo; mas para isso é preciso mudar as regras – como o atual governo já vem fazendo.

É também por isso que, neste momento, Bolsonaro é uma necessidade. Da mesma forma, é por isso que Lula representa mais do que a Esquerda política. Lula também é uma necessidade, pois representa todo um regime; um regime contra o qual Bolsonaro foi eleito. Ambos sendo necessários, cada qual à sua maneira e por motivos antagônicos, acabaram tornando-se as únicas opções politicamente viáveis para o pleito de 2022.

A situação agora é melhor, muito melhor, que em 2002. O PSDB definha por ser um partido que nasceu para atuar nesse jogo em que política é desnecessária. Não é à toa, portanto, que Fernando Henrique correu para apoiar Lula. Ele sabe que, para o bem do partido dele, o Brasil não pode mudar. Nesse sentido, para os tucanos, derrotar Bolsonaro é fundamental.

Mesmo que hoje a Direita esteja representada numa única pessoa, sua mera presença é suficiente para revelar a torpeza do atual regime político. Este regime e suas regras são: o que dão sentido à existência do PSDB; o motivo pelo qual Lula tenha se tornado o único eleitoralmente capaz de preservá-los; e o fundamento da necessidade em se reeleger o presidente Bolsonaro.

O PSDB é um partido tecnocrático; incapaz de atingir relevância num ambiente político. Se os tucanos sofrem agora, é porque se começou a fazer política no Brasil. Isso, nem uma vitória de Lula será capaz de reverter. Não há mais volta. Eis por que a situação agora é melhor, muito melhor, que em 2002.


Esse conteúdo é exclusivo para assinantes da Revista Esmeril.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor