E deixe de ser besta!
Alguém disse que escrever é transformar ideias em palavras. Ótima definição! Perceba que o verbo trans-formar quer dizer mudar a forma, a feição, a configuração da coisa. Isso também quer dizer que, quando levado a sério, o ofício da escrita é um trabalho árduo. É uma verdadeira labuta.
Arrastar à força do mundo abstrato as impressões, os conceitos e — por que não? — as opiniões que formulamos sobre a realidade é sempre um desafio tanto hercúleo quanto ingrato. Essa é a verdade. A dificuldade, porém, é dada em primeiro lugar pela própria realidade. Isso porque as palavras são incapazes de comunicar com perfeição aquilo que realmente queremos dizer. Elas são como que paliativos para a nossa condição decadente.
E depois, aquele que lida com as palavras ainda tem de suportar o juízo dos ignorantes. São criaturas que, apressadas em julgar a qualidade do pensamento do escritor, esquecem-se com facilidade das dificuldades inerentes à condição humana. O odioso traz consigo o imperativo de que não deve haver mistérios na vida.
E se não há mistérios, não há beleza, não há poesia, não há religião; o esforço ingrato de tentar dizer, tentar pôr em palavras a experiência, não faz sentido. O odioso deve cuspir com asco ao sentir ligeiramente o sabor da esperança.
A solução para esse tipo de leitor é óbvia: ele tem de deixar de ser besta. As bestas são os animais para os quais o Criador negou a capacidade racional. O leitor tem de pensar, tem de se esforçar, tem de pedir com insistência para que as portas da compreensão lhe sejam abertas.
Mas a experiência do entendimento só vem àqueles que a buscam com sinceridade, o que só pode indicar amor à verdade — porque a sinceridade em si é como que uma forma subjetiva de verdade. Não há outro caminho: ou se ama o próximo, ou tudo, em absoluto, será mentira, falsidade e incompreensão. Escrever não é fácil. Seja benévolo, leitor!
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