Início de tarde ensolarada no domingo da metrópole, e numa rua parada lá estão duas mulheres no ponto de ônibus: uma senhora grisalha um tanto gorducha, óculos pesados, vestido longo e reto até os pés, cabelão comprido preso descendo pelas costas, bolsa a tiracolo e Bíblia na mão. A outra, jovem e magra, parece uma versão décadas mais nova da companheira, saião jeans e camisetona branca, cabelo preso numa longa trança e a mesma edição do Livro Sagrado nas mãos.
Cumpriram o preceito dominical que lhes exigia sua congregação, levando a Palavra de Deus de casa em casa por ruas a fio em dois bairros, distribuindo os panfletos da igreja, comendo um bolinho aqui, ouvindo um palavrão ali, lá e acolá sendo recebidas, toleradas ou rejeitadas. Numa das paradas, a argumentação piedosa de um velho padre quase arrebatou a moça, que às pressas foi arrastada para longe pela companheira experiente. Agora, ali estão, suadas e cansadas, mas felizes, esperando o ônibus que as levará para casa.
Mas o veículo que para na frente delas é uma moto com dois caras, o de trás já descendo com uma arma apontada para a mais velha:
– A bolsa, tia, a bolsa, anda!
Mas a senhora não se deixa intimidar. Ergue a Bíblia com uma mão enquanto empunha a outra sobre o bandido, que estaca surpreso. A mulher então desata a recitar, com voz tranquila e firme, um dos tantos salmos que conhece de cor, logo sendo acompanhada pela moça:
– Tem piedade de mim, Senhor, segundo a tua misericórdia;
segundo a multidão das tuas clemências, apaga a minha iniquidade.
Lava-me inteiramente da minha culpa,
purifica-me do meu pecado,
porque eu conheço a minha maldade,
e o meu pecado está sempre diante de mim.
As duas vão declamando os versículos com clareza e calma, e o rapaz, ainda paralisado, começa a tremer. O companheiro, na moto, grita e xinga, manda que atire logo “nas duas vacas”, mas ele só escuta os versos que o vão fazendo desmoronar aos poucos. Deixa cair a arma e começa a se ajoelhar, curvando-se diante da mulher, que prossegue com o salmo. No chão, tira o capacete e então podem-se ver várias lágrimas que lhe caem dos olhos direto para a calçada. O da moto xinga, acelera furioso e some.
Terminado o salmo, as duas mulheres ajoelham-se e impõe as mãos sobre o moço arrependido, que chora de soluçar, encolhido, pedindo perdão a Deus com o coração dolorido. E, enquanto ele clama por misericórdia, elas dão graças aos Céus.