SANTO CONTO | O mago

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado em um episódio da vida de São Tiago Maior

I. A promessa

Enganchado a três de suas escravas favoritas, que dormiam entorpecidas de vinho e magia, Mestre Hermógenes estava inquieto na cama, irritado. Fazia cálculos, balbuciava palavrões e maldições. As notícias da vinda de um certo Tiago de Zebedeu, a caminho de Jerusalém, alarmavam-no. A pregação e os milagres do Apóstolo convertiam pessoas às centenas, e isso já se fazia sentir na diminuição do número de seus seguidores. “E o maldito ainda nem chegou aqui”, pensava. “E quando chegar, o que vai ser? Um charlatão desses me põe tudo a perder! Maldito! Maldito!”

No dia anterior havia se encontrado com os chefes dos fariseus, a quem tanto temia. Mas eles o trataram bem, e asseguraram-lhe que todos aqueles que os ajudassem no desmascaramento e captura de seguidores do agitador Jesus seriam considerados amigos dos judeus, e por eles seriam protegidos. Aquilo era um alívio e tanto. Decidido, desvencilhou-se das moças, levantou-se e chamou seu discípulo mais leal:

– Fileto! Fileto, vem cá!

Segundos depois, aparecia à porta o vulto de um homem por volta dos seus 30 anos, um tanto constrangido com a nudez de seu mestre, mas sem conseguir tirar os olhos das moças:

– Mestre?

– Quais as novas do tal Tiago, aquele mago seguidor de Jesus?

– Mestre, ele está a não mais de três quilômetros daqui. Não é difícil achá-lo, é só seguir os muitos peregrinos que vão ao encontro dele.

– São tantos assim?

– Multidões. Dizem que seu mestre, esse tal Jesus, ou Nazareno, não sei, reunia outras ainda maiores…

– Besteira! – O mago irritadiço ia vestindo um roupão – Lendas! Propaganda! Temos que desmascarar esse impostor, Fileto, e és tu quem vai me ajudar!

– Eu, mestre?

– Sim, tu! Vai até ele, escuta o que ele tem a dizer, usa a tua língua afiada, com todos os truques que te ensinei, faz com que ele caia em contradição, humilha-o, usa as palavras mágicas para que ele gagueje e sua língua trave, desmoraliza-o nas frente de todos, principalmente dos judeus. Depois, volta e me diz o resultado. Eu confio em ti, Fileto, és o meu melhor aluno! Faz o que estou te mandando e as recompensas serão fabulosas! – apontava para as escravas dormindo.

O discípulo salivou e seus olhos brilharam. Fez uma mesura e saiu quase sem se despedir, apressado. Ainda não havia amanhecido, mas ele já estava a caminho do filho de Zebedeu, seguindo a trilha dos peregrinos. Na afobação da saída, quase havia deixado para trás seus patuás e ervas mágicas, mas estavam todos lá, consigo, e aquilo lhe dava toda a segurança de que precisava. Seguia com todos os seus sentidos aguçados. Sua carne e seu sangue pareciam ferver diante da perspectiva das promessas do mestre. Hermógenes era um mago mesquinho, ele bem sabia, já fora testemunha de sua maldade por diversas vezes, mas também sabia ser muito generoso para com seus preferidos. Um mundo de possibilidades e prazeres se antecipavam em sua mente…

II. A maldição

Fileto chegou leve e renovado ao palácio de Hermógenes. Era bem cedo, mas precisou esperar até de tarde para que o ex-mestre acordasse. O mago havia estado em uma orgia daquelas na noite anterior, e não acordaria antes das três. Naquele meio tempo, o ex-discípulo passou em seu antigo aposento, pegou todos seus artefatos mágicos e os incendiou no pátio do palácio. Depois, sob os olhares atônitos dos serviçais e escravos, derrubou uma por uma as estátuas do Altar dos Muitos Deuses e enterrou o corpo da pobre adolescente que ali jazia, vítima do sacrifício da noite anterior. Em seguida, rezou como o Apóstolo havia lhe ensinado e, inspirado pelo Espírito Santo, pôs-se a pregar a todos que se reuniam em torno dele.

Falava do amor de Deus e contava sobre os milagres que havia testemunhado quando estava em companhia do filho de Zebedeu, quando Hermógenes apareceu, trôpego e raivoso, apoiado em um corpulento escravo:

– Fileto, Fileto! Desgraça sobre ti, filho de um cão leproso! Fostes encantado por aquele maldito mago judeu! Que os deuses te amaldiçoem por tuas blasfêmias, desgraçado!

– Hermógenes, escuta! – O ex-discípulo falava com uma firmeza e uma autoridade desconcertantes para o mago – Arrepende-te dos teus pecados ainda hoje! Vem comigo, me segue! Aceita Nosso Senhor Jesus Cristo e Salva a tua alma!

O mago bêbado inclinou-se para frente, vomitou uma serpente negra, conjurou umas palavras em voz baixa e bradou:

– Salvar-me? E quem te salvará disto, ingrato? Vai, hipócrita! Manda teu novo mestre te livrar desta maldição! Ou melhor: invoca esse tal Jesus para que venha salvar-te!

Enquanto o mago falava, a serpente foi na direção de Fileto, enrolou-se em torno dele e depois desapareceu. O homem ficou todo paralisado dos ombros à cintura, como se amarrado pela mais forte das cordas, e sua língua também estava travada. Hermógenes gargalhava e cuspia uma baba escura como sangue coagulado. Seus olhos tornaram-se vermelhos. Conjurava uma nova maldição quando o escravo que o trouxera deu-lhe um soco na nuca, que o fez cair desmaiado. Depois, colocou Fileto em um de seus ombros e saiu em direção à trilha dos peregrinos. Ninguém ousou impedi-lo, e vários outros o acompanharam.

III. A vingança

Hermógenes acordou e o palácio estava vazio, todos haviam ido embora. Não havia mais ninguém lá. Nem discípulos, nem empregados, nem escravos. Grande parte seguira a trilha dos peregrinos, e outros simplesmente sumiram em outras direções. Eram curiosidades e aspirações diferentes, mas, em comum, nenhum mais temia o mago, que fora posto a nocaute com um simples soco. Quando se deu conta da situação, ele conjurou sete demônios, os pôs em correntes, como feras do circo, e mandou-os atrás do Apóstolo, com ordem de matá-lo e a todos os seus seguidores, ou seriam para sempre escravos de sua magia.

Os monstros, com as coleiras a lhes queimar e sufocar, amaldiçoaram o mago, mas obedeceram. No entanto, quando se puseram na frente de Tiago, curvaram-se e imploraram por misericórdia:

– Homem de Deus, escuta! Hermógenes, o mago, o maldito, nos mandou para te matar. Mas não temos poder contra ti, que estás cheio do Espírito Santo. Nos ordena que o mate, e assim o faremos, e nos livra destas correntes, que são piores que as do próprio inferno!

– Escutai, espíritos imundos! – A voz do Apóstolo soava como um trovão que aturdia os sete – Não fareis àquele homem nada além do que eu vos mandar! Trazei-o acorrentado com as mesmas peças com que ele vos prendeu. Ide!

IV. A conversão

Fileto foi o primeiro a avistar os sete a trazer Hermógenes preso às correntes, humilhado. Por mais que quisessem, não ousavam machucá-lo, mas divertiam-se cuspindo nele, ameaçando-o, jurando-o de morte e o torturando com seus fedores, que o faziam vomitar. Hermógenes desmaiava, voltava a si e desmaiava de novo. Estava apavorado. Perguntava-se quem seria aquele mago tão poderoso que anulara tão facilmente suas piores maldições. Imaginava-o invocando o terrível Jesus, que pessoalmente brotaria da terra para eviscerá-lo, ou que o fulminaria com um raio direto do céu. Estava justamente pensando nesses pavores quando foi jogado aos pés de Tiago:

– Aqui está, filho de Zebedeu! Agora, nos ordena que o matemos! Queremos vingança!

A voz do Apóstolo, invocando o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, atordoou-os pela última vez, e os sete sumiram. Hermógenes viu-se livre das correntes, do mal cheiro que havia impregnado em seu corpo, e também curado de todas as feridas que sofrera sendo arrastado pelo caminho dos peregrinos. Olhou para Tiago e Fileto a lhe sorrirem amorosamente, e atrás deles, um homem alto, de túnica branca, que resplandecia, e de cujo peito irradiavam luzes de várias cores. Percebendo-o embasbacado, o filho de Zebedeu adiantou-se:

– Estás livre agora. Segue o caminho que achares melhor.

O ex-mago prostrou-se por terra e chorou por um longo tempo. Depois, recomposto, abraçou seu ex-discípulo e o Apóstolo, e seguiu com eles rumo a Jerusalém.


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