SANTO CONTO | O lugar no Céu

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado na morte de Santa Tarsila

Os dias de Tarsila eram sempre cheios. As obrigações da casa, as lições do sobrinho, que criava como seu filho, os deveres para com os pobres de Deus, e, claro, os com Ele próprio. Esse era seu momento favorito do dia e, por mais apertado que estivesse seu tempo, lá estava ela, fiel a seu longo momento de oração e contemplação. Já trazia os joelhos e cotovelos calejados, aliás.

Não sabia muito bem por quê, mas naquele dia ela estava especialmente alegre. Havia acabado de cuidar das instruções do pequeno Gregório e estava se encaminhando para seu oratório, quando sentiu aquela alegria estranha, como se uma luz estivesse se acendendo em seu peito, que lhe parecia quente. E seu coração estava muito mais acelerado que o comum, mas a sensação era boa, agradável. Ela parou um momento, fechou os olhos e suspirou. Pareceu ter visto um lugar todo novo, maravilhoso, que fez seu coração bater ainda mais rápido. Mas foi um relance, um vislumbre muito rápido, e já se apagou. Ela então prosseguiu com seu dever.

Chegou ao oratório, prostrou-se diante da cruz e iniciou suas orações. Quando estava pedindo por seus antepassados, mais especificamente por seu avô Félix, o coração acelerou de novo, desta vez mais rápido ainda. Abriu os olhos, estava passando mal, a respiração falhava, a visão turvava. Desmaiou.

Quando acordou, estava melhor, e só depois de se recompor que percebeu seu avô ali ao lado, sorrindo. Ele se apresentava à neta velhinho como ela melhor o havia conhecido. Tarsila abraçou-o com carinho, e em seguida ele fez-lhe um sinal para que o seguisse.  Ela viu com espanto o velho indo em direção à cruz, que parecia maior, gigante, e entrando nela, sumindo-se dentro dela. Hesitou, mas ao ouvi-lo chamar-lhe lá de dentro – “ou sabe-se lá de onde”, como ela pensou – foi.

Enquanto seguia, milhares de coisas foram lhe passando pela mente. Pensou que havia morrido, e que o velho Felix estava ali para guia-la, quem sabe, ao Purgatório. Mas quando atravessou cruz, viu que era outro lugar. O primeiro espanto foi ver que seu avô não aparentava mais a velhice de antes. Ele estava jovem, com uma idade indefinida, mas bastante jovem. Era tudo muito luminoso onde estava, seus olhos demoraram um pouco para se acostumarem com a claridade do lugar. Felix fez-lhe novo sinal, e ela o seguiu, desta vez sem hesitar.

Enquanto o acompanhava, ia ouvindo melodias que nunca havia escutado antes, notas e vozes totalmente inéditas para ela, envolventes. E as cores, que cores eram aquelas? Cores que jamais havia visto, em jardins realmente deslumbrantes, muito mais bonitos que os mais belos em que ela já havia estado, com pedrarias que brilhavam de um jeito que…. Ficou maravilhada. Mas o espanto maior não havia chegado. Chegou quando o avô apontou-lhe um lugar específico, que a faz sentir seu espírito pulsando, abrasado. Aquele era o lugar que mais cedo ela havia visto num borrão, de tão rápido, mas que agora estava ali em todos os detalhes, e era realmente ainda mais maravilhoso do que ela podia se lembrar. Algo que não podia ser descrito. Então seu avô segredou-lhe:

– Este é teu lugar no Céu, o lugar que te foi reservado na Glória Eterna. Até daqui a pouco!

Então ela se sentiu sendo sugada, tragada para fora de lá, e acordou com o sobrinho, a irmã e um médico em volta de si. Fora encontrada desmaiada no chão do oratório havia horas, e nada que o médico fizesse havia conseguido trazê-la de volta. Sua irmã Emiliana e o pequeno Gregório olhavam-na com preocupação. Ela ofegava, tinha os olhos arregalados e um sorriso largo, enorme. Olhou para a irmã e falou, apontado para o menino:

– Irmã, ele agora é só teu. Cuida bem dele. O destino dele é grande, eu vi. E tu, Gregório, continua honrando Nosso Senhor todos os dias da tua vida. Agora, rezem comigo uma Ave Maria!  Tu também, doutor!

Rezaram. Ao fim da oração, Tarsila não estava mais entre eles. Ao lado do avô e de Nosso Senhor Jesus Cristo, caminhava naquele seu lugar no Céu.


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