Baseado nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, e escrito por ocasião do Domingo da Transfiguração do Senhor
Pedro, por aqueles dias, andava confuso, incomodado. Havia bem pouco, quando questionado por Jesus sobre Sua identidade, ousara olhá-Lo bem nos olhos e dissera:
– Tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo!
E, por tal “ousadia”, recebera do Mestre um grande prêmio, uma investidura de que não se via digno, mas que aceitara e assumira, mesmo que ainda não a compreendesse muito bem.
Bem pouco depois, no entanto, crendo-se investido de um papel diferente do que lhe fora designado, cometeu nova ousadia. Diante das palavras de Jesus sobre Seu destino de padecimento, morte e ressurreição, alarmara-se. Naquele momento, tomara para si a responsabilidade de cuidar do Rabi, não permitir que Ele sofresse de morte cruel ou de quaisquer dores que fossem. E seria ele, Pedro, Seu fiel guardião. Chamou-O então à parte e, olhando-O nos olhos novamente, com o coração inflamado falou-lhe:
– Deus não permita, Senhor! Não te sucederá isto!
E, em reposta, veio-lhe a furiosa reprimenda:
– Para trás de mim, Satanás! Tu serves-me de escândalo, pois não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas dos homens!
Aquelas palavras atordoaram o pobre Apóstolo, que se pôs a ruminá-las, junto com outros milhares de pensamentos, num turbilhão de silenciosa angústia. E ele ficava a se perguntar do porquê de palavras tão duras contra si. Afinal, não fora ele quem, iluminado pelo Espírito de Deus, reconhecera Seu Filho? Não fora ele investido de “ligar e desligar” Terra e Céu? Não deveria, portanto, protegê-Lo? Não estava a seu encargo e tarefa de zelar por Ele a todo custo, para a vitória do Reino de Deus?
Andava assim matutando quando ouviu Jesus chamá-lo, e aos irmãos João e Tiago:
-Vinde, subi comigo ao alto do Tabor. Vinde, e oremos ao Pai que está nos Céus!
Com dificuldade para acompanhar os passos ligeiros do Mestre, seguiram-No os três. Quando chegaram ao topo, os Apóstolos resfolegavam. Pedro estava feliz, com o coração novamente animado. Ia falar alguma coisa, mas se calou, espantado, ao ver a transformação que naquele momento se dava em Jesus: Seu rosto ficara refulgente como o sol, e suas vestes toraram-se luminosas, de tão brancas que estavam. E eis que apareceram ali Moisés e Elias, e se puseram a falar com Ele.
Cheios do Espírito Santo, os Apóstolos imediatamente reconheceram o Patriarca e o Profeta, e assistiam maravilhados àquela cena. Pedro, especialmente exultante, logo se adiantou:
– Senhor, é bom nós estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias!
E eis que, enquanto ele ainda falava, uma nuvem resplandecente envolveu os três Apóstolos, e de dentro dela saiu uma voz:
– Este é meu filho muito amado, em quem pus toda a minha complacência; ouvi-o.
Aterrorizados, os três caíram por terra, de bruços, e não ousaram erguer-se. Na mente de Pedro, passou de relance todo aquele turbilhão de pensamentos que o andavam atormentando nos últimos dias. E, como o pó ao vento, foram varridos embora. O Apóstolo, ali, começava a compreender seu papel nos planos de Deus. Olhava para si e começava, enfim, a enxergar-se do seu próprio tamanho – nem maior, nem menor. Seu corpo tremia todo, mas seu coração, naquele momento, estava mais seguro.
Jesus então olhou para Pedro e sorriu. A rocha ia sendo lapidada, e ganhando firmeza. Aproximou-se dos três discípulos, pôs suas mãos sobre eles e falou-lhe com doçura:
– Levantai-vos, não temais.
Eles ergueram os olhos, e ali estava o Mestre. Moisés e Elias já haviam desaparecido, assim como terminava de sumir o resplendor das vestes e da face do Rabi.
Enquanto desciam, e Jesus prevenia os três para que silenciassem sobre o que haviam ali testemunhado, Pedro chorava de alegria. Seu coração, naquela hora, vibrava como um tambor em festa.