Livremente baseado em um episódio da vida de Santa Isabel de Portugal
I. A Guerra
Havia anos o reino sofria com aquela guerra entre o rei e o príncipe. O monarca favorecia mais e mais um filho bastardo, e quando se esgotou a paciência do primogênito, o herdeiro não-coroado, sua revolta resultou em invasões e saques por todo o país. Os barões, divididos entre a lealdade à Coroa e a sedição, engrossavam as tropas de um e outo exército, e equilibravam a luta entre pai e filho. E o ódio, que junto com o medo se espalhara pelo reino, apoderou-se também dos corações do povo, marcando inimizade e rixas entre parente e velhos amigos, conforme se iam configurando as afinidades e adesões a um ou outro lado da guerra.
Assim se encontrava o reino quando, depois de tantas tomadas e retomadas de cidades, e sucessivas derrotas e vitórias para lá e para cá, chegou o dia em que os dois exércitos, com os respectivos chefes à frente das tropas, ficaram cara a cara, às portas da capital, prestes a travar a última batalha, aquela em que seria posto um fim à guerra. Em campo aberto, cavalos, homens, lanças, espadas, escudos, arcos e flechas aguardavam ansiosos de um de outro lado a contenda que não tardava. Mas, estranhamente, algo parecia segurar tanto as ordens do pai quanto as do filho, que, não obstante a fúria que traziam em seus corações, relutavam em comandar o ataque.
II. A penitente
Amarrava-lhes as mãos, na verdade, a vontade de Deus, que, durante todos aqueles anos, escutava as orações da rainha, que, nos últimos três dias, conforme cresciam as tensões da guerra, jejuava e orava ininterruptamente, prostrada diante da Santa Cruz na Capela Real.
E naquela manhã, após suas últimas orações, a rainha saiu da capela e se deparou com uma mula que ali a esperava. Sem dizer nada, montou no animal e seguiu rumo ao campo de batalha, voltando a orar durante toda a viagem.
III. A surpresa
Entre as tropas, cresciam o nervosismo e a sanha pela batalha, a sede de sangue. Os capitães inquietavam-se, os soldados arfavam. Pairava o silêncio, e ninguém se atrevia a dirigir a palavra aos chefes. E em um momento propício, ambos pareceram decidir-se, e estavam prestes a ordenar o início do conflito quando batedores de ambos os exércitos chegaram esbaforidos, ao mesmo tempo, levando a notícia que parecia irreal: montada numa mula, encaminhava-se para o campo, a poucos metros dali, a rainha.
Pai e filho, atordoados, pareceram não acreditar no que ouviram, mas ambos puderam ver, dali a pouco, a figura da mulher que conheciam tão bem, parada entre as tropas. De ambos os lados, aquilo causou surpresa, e viu-se lá e cá soldados e oficiais curvando-se diante da soberana. Aturdidos, o rei e o príncipe partiram sozinhos em direção a ela.
IV. O perdão
A rainha permanecia tranquila aguardando o marido e o filho. Eles chegaram praticamente ao mesmo tempo, e o olhar de ódio e desprezo que trocaram entre si foi logo desviado diante da figura da soberana. O príncipe foi o primeiro a falar-lhe:
– Mãe…
– Cala-te, Afonso, e escuta! Com que razões te achas no direito de revoltar-te contra teu pai e teu rei? Foi essa a lealdade que aprendeste na corte? E, acima disso, foi este o amor que te ensinei?
O príncipe se encolheu diante da mãe, e o rei regozijou-se intimamente. Sorriu, inflou o peito e ia pronuncia-se quando a rainha se voltou para ele:
– E tu, João? Como ousas erguer a espada contra teu próprio filho? Nós bem sabemos o quanto te apequenas como marido, e este é um sofrimento que me cabe, o madeiro que carrego. Mas não tornes esta cruz mais pesada do que ela tem de ser, derramando o sangue daquele que não é somente tua carne, mas também minha!
Acabrunhados, pai e filho voltaram seus olhares para o chão, sentindo-se pesados e pequenos. A rainha então falou outra vez:
– Pesai ambos o que eu disse, e guardai estas minhas palavras: se continuardes com esta loucura, derramarão em primeiro lugar o meu sangue antes que derrameis os vossos, pois não sairei daqui. É contra mim que erguereis vossas espadas e lanças, é sobre mim que passarão vossos cavalos. Estareis ambos brandindo vossas armas contra vossa rainha, e também contra Deus.
O silêncio pairou ali por alguns minutos, quando enfim o príncipe desceu de seu cavalo, foi até a rainha e lhe beijou o rosto:
– Obrigado, mãe!
Dirigiu-se então ao rei, que também já descera de sua montaria e, ajoelhando-se diante dele, beijou-lhe a mão:
– Perdão, meu senhor! Perdão, meu pai!
O rei puxou-o então para si e o abraçou:
– Perdão, meu filho! Perdão!
V. A paz
Rei, a rainha e o príncipe, pai, mãe e filho abraçaram-se e choraram juntos e, voltado cada qual à sua montaria, rumaram os três em direção à Capela Real, onde rezariam juntos em ação de graças. Entre os dois exércitos que a tudo assistiam maravilhados, as armas já estavam depostas e a reconciliação se traduzia em abraços fraternos e risadas.
A paz havia voltado ao reino.