SANTO CONTO | A pata do leão

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado em um episódio da vida de São Leão Magno

O Santo Padre recebia contente a longa fila de fiéis que lhe vinham beijar a mão. Alegrava-se com a piedade popular, e fazia questão de sorrir para cada um que lhe pedia a bênção. De repente, apareceu uma jovem realmente bonita, que o desconcentrou. Voltou a si, mas a beleza da moça era realmente inquietante e, assim que aqueles jovens lábios tocaram sua mão, sentiu um frêmito, uma inquietação, por um segundo queimou-se todo por dentro.

Aí, o pobre azedou. Não sorriu mais, nem prestou atenção ao movimento da fila, que ainda durou um bom tempo. Deixou a mão estendida e foi abençoando o povo maquinalmente, perdido em seus pensamentos. A culpa o vexava, o torturava e o consumia, e aquele segundo de fraqueza ia se tornando uma eternidade de remorso.

Acabada a sessão, saiu resolvido a penitenciar-se pelo resto do dia. Incapaz de se concentrar em qualquer trabalho que fosse, passou horas em oração, os joelhos no chão duro, sem comer, nem beber, nem ir ao banheiro. Debalde. Se não conseguira se focar no trabalho, tampouco o pôde nas orações. Enquanto isso, demônios em torno dele dançavam e riam alegremente de sua miséria. Veio-lhe então uma ideia extrema, mas necessária. Já caía a noite, e o Pontífice, resoluto, foi atrás de uma machadinha. “Já que a fraqueza veio desta mão”, pensava, “melhor cortar o mal pela raiz. Se teu olho te causa escândalo…”

Antes, consultou uma última vez sua consciência e dirigiu-se a Nosso Senhor: “Amado Pai, perdoai a vil fragilidade que me fez pecar, e este ato que estou prestes a cometer contra mim. Mas, sabei, Pai querido, que é por amor a Vós e Vossa Mãe Santíssima. Maria, Mãe e Rainha, roga por este miserável pecador!” E desceu o corte. De uma vez só, preciso e ligeiro. A dor era insuportável, mas o Santo Padre aguentava, em silêncio, o rosto contraído, as lágrimas escorrendo, mas sempre em silêncio, firme. “Dor muito pior é a que espera no Inferno”, dizia de si para si enquanto via o sangue a esguichar e escorrer, manchando-lhe as roupas e empoçando o chão.

No entanto, de repente, a dor sumiu. Assim mesmo. Do nada. Ele olhou pro pulso sangrento e procurou explicação. Será que era tanta a dor que se anestesiava a si própria? Não teve tempo de continuar as conjecturas, pois uma luz intensa iluminou o quarto, e ali se fez presente Nossa Senhora, com Seu véu branco, Seu manto azul e Seu sorriso agradecido de Mãe orgulhosa:

– Filho amado, tua piedade é admirável, e teu amor, ainda mais! Que as bênçãos do Céu sejam sempre contigo!

Disse isso e sumiu. Quando o Pontífice, que não ousara encarar a Mãe, ergueu os olhos, viu que já era dia. Reparou também que o sangue havia todo sumido, o quarto e as roupas estavam até mais limpos que antes, e um cheiro de rosas inundava o ambiente. E, estupefato, viu que sua mão decepada estava de volta no lugar, intacta. Prostrou-se por terra e orou agradecendo a imerecida piedade divina. Quando se levantou, sentia-se renovado, chorava de alegria, e o antigo sorriso estava de volta.


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