SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Vento de Liberdade (o Hino: parte III)

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

“Foi o Vento de Setembro / Precursor da Liberdade”


Nesta semana, volto a falar do Hino Rio-Grandense. Já virou tradição. É o terceiro ano consecutivo que trato do assunto. Desta vez, no entanto, não falarei do sentido de “virtude” – o tema das colunas anteriores. Descobri que a letra original foi alterada na primeira estrofe. Como brinde, deixou um vídeo de humor sobre gaúchos, vídeo esse já com certa idade, para deleite de quem não teve a sorte de ser gaúcho, mas também dos meus compatriotas com bom senso de humor.


Terça-Feira, 10 de Oitavubro de 524

[para saber mais sobre o calendário tupiniquim, clica aqui.]

Este ano o principal feriado gaúcho teve um significado diferente. Só percebi ao chegar em Porto Alegre, pois a minha cidade não sofreu com as inundações como a capital e outras regiões próximas sofreram. No entanto, na cidade, a força da data era evidente.

Escrevi aqui que o pior seria quando as coisas passassem a parecer normais. Aí, ninguém mais pensaria no RS, e nós teríamos que reconstruir o estado sozinhos. É exatamente o que está acontecendo agora. Esse sentimento é o que motivou um apego maior ao Vinte de Setembro neste ano.

Eu não poderia me abster de fazer uma coluna em homenagem ao Dia do Gaúcho.

A adoção do Vinte de Setembro como data de celebração do “ser gaúcho” apenas tornou-se algo a partir do golpe republicano de 1889. Juntamente com o feriado, vieram a bandeira e o hino. Após o fim da guerra civil em 1845, após uma década de conflito, os símbolos revolucionários haviam caído em esqecimento.   

O hino apenas tornou-se oficial em 1934, às vésperas do centenário da Revolução Farroupilha. Até então somente a música era reconhecida, ainda que extra-oficialmente. Havia três letras concorrentes. Uma comissão foi nomeada com a missão de determinar qual dessas seria adotada e escolheu essa que nós gaúchos cantamos a plenos pulmões sempre que há oportunidade.

O hino gaúcho, oficialmente denominado Hino Rio-Grandense, já foi tema desta coluna por duas vezes: em 19/09/2022 (“De Modelo à Toda Terra”); e em 10/07/2023 (“A ‘Virtude’ da Polêmica”). Nambas, comento sobre o significado de “virtude” no trecho “povo que não tem virtude / acaba por ser escravo”. Desta vez, o tema é o verso “Foi o Vinte de Setembro o precursor da Liberdade”.

Deste piá, nós gaúchos aprendemos que o Vinte de Setembro foi o precursor da liberdade. É o que diz o terceiro verso da primeira estrofe do hino estadual. Ao menos, é o que se crê ser o que tal verso diz.

Qual a minha surpresa na semana passada, juntamente a Semana Farroupilha (de 13 a 20/09), ao ler o que supostamente seria o manuscrito da original da letra do hino e perceber que não seria bem isso o que Francisco Pinto da Fontoura, o alegretense Chiquinho da Vovó, escrevera.

Ao que parece, ou bem a comissão alterou a letra original ou adotou uma versão em que essa havia sofrido uma alteração. De qualquer sorte, lendo-se o manuscrito claramente percebe-se que, ao invés de “Vinte”, o trecho fala em “Vento de Setembro”.

Portanto, a letra não celebraria diretamente a data de proclamação da independência da província. A poesia mostraria a Revolução simbolizando o fim do Inverno. A independência gaúcha seria conseqüência de uma Primavera, cuja chegada o vento de setembro anunciara ao trazer consigo a liberdade.

Toda essa simbologia foi perdida com a mera alteração de “Vento” para “Vinte”. Acho impossível que uma correção histórica possa ser feita. Porém, não poderia deixar de registar aqui tanto minha descoberta acidental quanto minha preferência pela escolha do autor.

Neste momento em que o Rio Grande do Sul atravessa, não podemos permitir que nos tornemos escravos das circunstâncias. Mais do que nunca, os gaúchos precisamos de virtù. Desta vez, que o Vento de Setembro seja precursor da obstinação, da resiliência, e da caridade; e que a reconstrução do estado venha a servir “de modelo à toda Terra”.


P.S.: Brinco que sou “gaúcho não-praticante”. Essa afirmação só faz sentido num contexto específico [do contrário, sou gaúcho bem praticante]. Tal contexto foi explorado anos atrás por Marcos Piangers, humorista catarinense radicado no Rio Grande do Sul. Piada boa não envelhece. Pode-se assistir o vídeo clicando aqui.

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