FILOSOFIA INTEGRAL | Democracia dos Mortos

Os gregos antigos, homens geniais, imaginaram formas de governo com o objetivo de ordenar a sociedade, para que ela funcionasse de maneira harmônica e eficiente. A partir de então, idealizar sistemas políticos passou a ser uma atividade corriqueira – senão a preferida – dos intelectuais.

Com a retomada dos ideais clássicos, a partir do renascimento, tornou-se lugar-comum a concepção de que é responsabilidade de homens inteligentes configurarem e organizarem a sociedade de determinada maneira. Chegou-se ao entendimento, inclusive, de que uma sociedade bem ordenada só seria possível se ele fosse bem planejada, ou seja, se algum(as) mente(s) a imaginassem de determinada forma e isso fosse colocado em prática.

Mesmo a democracia, que é, dentre todos os sistemas imaginados, o menos centralizado, acabou sucumbindo à imaginação dos planejadores políticos. O “governo do povo” transformou-se em um sistema representativo, cheio de regras e princípios, desenhado em gabinetes de experts e filósofos.

Na verdade, a democracia foi transformada em ideologia. O próprio socialismo sequestrou-a, inventando uma democracia toda própria, na qual não existia qualquer espontaneidade, mas apenas a imposição de um regramento rígido e muito bem determinado.

Para Gilbert Chesterton, pensador inglês da virada do século XIX para o XX, , porém, a democracia não tinha nada a ver com essas formas vislumbradas e delineadas nos escritórios dos planejadores sociais. Seguindo a tradição britânica do ‘senso comum’, ele a via não como um sistema de governo planejado, mas como o mero respeito às ideias preservadas pelos homens comuns de todas as épocas.

Democracia, segundo Chesterton, é a aplicação da sabedoria dos povos. Por isso, ele vai conceber a Tradição e a Democracia como sendo uma única e mesma ideia. Inclusive, ele a denomina “democracia dos mortos”, por entender ser muito mais saudável ouvir o que os homens comuns sempre disseram do que dar atenção às ideias mirabolantes dos intelectuais.

Por isso, Chesterton propõe que a vontade da maioria, que é a característica elementar de uma democracia, seja estendida para além do presente e considere o que aqueles que já viveram nos legaram. Afinal, nisto estaria o verdadeiro conhecimento, pois, segundo ele, “o princípio da democracia é esta: as coisas comuns a todos os homens são mais importantes que as coisas peculiares a qualquer homem […] As coisas ordinárias são mais valiosas que as extraordinárias; ou melhor, são mais extraordinárias”.

A vontade popular, portanto, na perspectiva chestertoniana, não se restringe à vontade daqueles que agora vivem, mas precisa considerar o conhecimento legado por aqueles que viveram. Isso porque não existe verdadeira sabedoria sem o respeito ao que foi deixado pelos antepassados. 

A verdade é que Chesterton apegava-se à Tradição, não por ver nela uma corpo de regras e liturgias a serem obedientemente seguidas, mas por entender que Tradição se trata de “confiar num consenso de vozes humanas comuns em vez de confiar nalgum registro isolado ou arbitrário”. Respeitar a Tradição era, portanto, uma questão de ponderação e inteligência e de certo cuidado.

A ideia de Chesterton sobre democracia nos faz pensar o quanto a democracia se distancia do conceito de ideologia, por ser mais do que o resultado da obra de uma mente isolada ou de uma elite iluminada, mas a expressão franca dos movimentos naturais e invisíveis que ocorrem dentro de uma sociedade – ideia muito semelhante ao conceito de “ordem espontânea” apresentada por Hayek, anos depois.

O que aprendemos com Chesterton, portanto, é que não é preciso desenvolver novas ideologias para combater as ideologias presentes, mas precisamos, sim, ter a convicção e a confiança de que a sociedade, por si mesma, em seus esforços espontâneos por sobrevivência e desenvolvimento, é capaz de gerar uma ordem social minimamente saudável e justa.

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