SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Patriotismo à Brasileira: entre o Pacheco e o Vira-Lata

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Ginásio do Colégio Marista Sant’Ana (30.09.2023)


Não, não… A coluna NÃO trata dos “patriotas” aquartelados. Nesta semana, a inspiração veio de uma apresentação escolar por alunos dum colégio de Uruguaiana. Meus filhos estranham o patriotismo brasileiro – ou “a falta de” – por ser diferente do americano; o qual eles conheceram. Na sexta-feira, os colegas deles demonstraram como esse ocorre.


Todos os anos [não sei desde quando, mas há bastante tempo], o Colégio Marista Sant’Ana de Uruguaiana organiza uma gincana com as turmas dos Anos Finais e Ensino Médio competindo entre si. O evento encerra com apresentações artísticas sobre um determinado tema – o qual sempre muda.

Essas apresentações são um dos segredos mais bem guardados da cidade. Não entendo por que ficam escondidas, restritas ao pessoal da escola, ao invés de ocorrer em local para a cidade inteira ver. Os alunos realmente põem esforço e dedicação; os pais investem nos filhos; e o resultado acaba sendo muito bom.

O tema deste ano foi “países do mundo”. As 14 turmas escolheram livremente aquele que gostariam de apresentar: Argentina, México, Estados Unidos; África do Sul, Egito; Índia; Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, Grécia; e Brasil. Foram 13 países, pois as turmas de formandos decidiram fazer juntas; e escolheram o Brasil.

Falar do Brasil não é fácil. Fácil é escorregar para as duas principais posições deformadas antagônicas que brasileiros costumamos ter sobre o nosso país. Aristóteles está certo ao afirmar que virtudes se encontram num justo meio entre dois vícios. No caso do patriotismo tupiniquim, esse está nalgum ponto entre o Pacheco e o Vira-Lata.

O Pachequismo tem origem num personagem de Eça de Queirós [A Correspondência de Fradique Mendes, Carta VIII] sem conteúdo, mas ainda assim admirado por todos apenas pela imagem de erudição e competência que criara e cultivara. No Brasil, ganhou uma segunda associação, graças a uma peça publicitária para a Copa do Mundo de 1982.* Desde então, Pacheco é ligado a um patriotismo exacerbado e sem fundamento.

O Vira-latismo é criação de Nélson Rodrigues em coluna na revista Manchete [Complexo de Vira-Latas] às vésperas da Copa de 1958. O Anjo Pornográfico o define nestes termos: “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol.” O termo, pois, se refere ao sentimento de que nada brasileiro presta; e que bom, mesmo, é o que vem de fora.

Os alunos do “Terceirão” do Sant’Ana não caíram em nenhum dos dois erros. A apresentação muito lembrou a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de janeiro, em 2016. O texto de introdução começou com “deixamos o melhor para o final.” Porém, ao contrário do vazio pachequista; resolveram apresentar o porquê.

Começou com o encontro entre portugueses e indígenas. Depois, vieram os outros povos: africanos, europeus, orientais, e árabes. Os alunos dançavam carregando bandeiras alusivas a suas próprias origens; representando ali, simbólica e realmente, a miscigenação brasileira.

Passaram para as culturas regionais, com duplas trajando trajes típicos gaúchos, caipiras, pernambucanos, cariocas, etc. Por fim, chegaram à capital espiritual brasileira, cidade portuária e cosmopolita sem bairros étnicos, o Extremo-Brasil – o Rio de Janeiro.

O cenário não escondeu a pobreza carioca, semelhante à pobreza uruguaianense, mas a apresentação ganhou humor e leveza. Começou com as gurias desfilando como se estivessem na praia, enquanto os guris ficavam “babando” ao longe. Veio futebol, e um baile fanque. A apresentação encerrou com samba, tocado pelos próprios alunos, transformados em bateria de escola – o que não deixava de ser um retorno à Uruguaiana.**

O evento, por coincidência, abrira com a Argentina. O cenário tinha a bandeira argentina e as torres da Ponte Internacional, símbolos da cidade. Portanto, de certa forma, as apresentações dos “países do mundo” começaram e terminaram em Uruguaiana. Os alunos do colégio levaram a plateia numa jornada que começou em casa, fez a volta ao mundo, e encerrou de volta em casa.

Deixamos o melhor para o final,” disseram. E tinham deixado mesmo. O melhor de tudo foi a lição que passaram a todos ali presentes.

A grande maioria dos formandos sairá da cidade no ano que vem. Porém, antes de ir, demonstraram saber de onde vêm; saber quem são. Eles estão preparados para a viagem.

* Há uma ironia, aparentemente pouco explorada, no vínculo do Pacheco de Eça com a Seleção Brasileira de 1982. A Seleção de 82 é provavelmente a mais valorizada da história [mais que a Seleção de 1970]. Contudo, acabou eliminada nas quartas-de-final numa partida em que precisava do empate contra uma Itália em crise.
** O desfile das escolas de samba de Uruguaiana é um dos principais eventos do calendário da cidade. A competição é assunto sério por aqui.

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