SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | ¿O Palmeiras tem mundial?

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

A pergunta da foto é a mesma do título, e a culpa disso é da FIFA


Quando falo de política, também me meto em assuntos para os quais não fui chamado e escrevo para quem se recusa a entender. Estou acostumado. Hoje, faço isso, mas tratando de futebol. Parafraseando Galvão Bueno: “¡¡É TREEETAAA!!” Eu não poderia ficar de fora.


Se o ditado, no resto do Brasil, é “dar-se um boi para não entrar numa briga; e uma boiada, para não sair”; no RS, é um pouco diferente. O boi é para entrar na peleia.

Como bom gaúcho, entro hoje numa rinha com a qual não tenho nada que ver. Tudo por provocação de futebol no grupo de colaboradores da Esmeril.

Eu nem sei bem como começou. Quando cheguei, estavam falando do “Corinthians bicampeão mundial” e que “o Palmeiras não tem mundial”.

Primeiro, e sem importância alguma, mas vou falar do mesmo jeito, apesar de forma consagrada, Palmeiras é “Sociedade Esportiva”. Deveria ser “a Palmeiras”; não, “o Palmeiras”. Dito isso, voltemos à questão principal.

Eu não sei se o Palmeiras tem mundial ou não. Só sei que se o Corinthians é bicampeão do mundo, então o Palmeiras é campeão mundial. É preciso escolher.

I. A INTERCONTINENTAL E A MESQUINHEZ DA FIFA

Antes de entrar no mérito, quero dizer que os colorados gostam de dizer que o Grêmio não tem mundial. É diferente do caso do Palmeiras porque ganhamos a Intercontinental.

Acontece que a Intercontinental foi criada em 1960 exatamente para determinar o campeão do mundo. Inclusive, o torneio cumpriu bem seu papel de sua fundação até 2004 – primeiro, com série em ida e volta entre os campeões europeus e sul-americanos; depois, com uma partida única no Japão, graças ao apoio da Toyota.

Ainda assim, os colorados incomodam. ¿Por quê? Por causa de uma mesquinhez da Dona FIFA. E essa mesquinhez que nos ajuda a entender a origem desse debate mundialista do ludopédio de São Paulo.


Nota:
Esta semana, a FIFA anunciou o retorno da Intercontinental. Nenhuma surpresa. Era evidente que o torneio seria restaurado, de uma forma ou de outra.
A FIFA anunciara um torneio quadrienal. Só que um mundial de clubes NÃO pode ocorrer a cada quatro anos. Haveria um vácuo se ficasse só com esse. A FIFA percebeu e cobriu o buraco antes que outros o fizessem.
O Mundial de Clubes quadrienal da FIFA será disputado. Agora, quantas edições terá, isso já é uma incógnita. Esse torneio é supérfluo.
O que não pode deixar de acontecer é uma decisão anual que determine o campeão do mundo. A nova Intercontinental resolve isso.
A FIFA pode até não querer que o campeão seja “campeão do mundo”, eu não sei, mas será inevitavelmente reconhecido como tal.


Em 2005, a FIFA assumiu a Intercontinental. Mudou-lhe o nome, o troféu, e o formato; manteve o local e o patrocinador; e, num gesto de pequenez infinitesimal, apagou-lhe a história.

Ao menos, tentou apagar toda a história. Deixou um fio solto: o “Mundial de Clubes da FIFA 2000”.

II. O MUNDIAL FIFA DE 2000

Incomodava a FIFA o fato de o título de “campeão do mundo” ser conferido em conjunto pela UEFA e pela Conmebol – criadoras e avalistas da Intercontinental. A FIFA crê que só a ela compete tal autoridade. Em 2000, resolveu então criar um torneio próprio, que viria substituir a Intercontinental.

Em dezembro de 1999, o Manchester United venceu o Palmeiras no Japão conquistando a Intercontinental e o título de campeão mundial. Em janeiro de 2000, o mesmo Manchester United, muito a contragosto, estava no Rio para disputar um novo mundial.

¿Contra o Palmeiras?

Não. O Palmeiras não foi convidado. A Conmebol, para garantir a presença de um clube do Rio e um clube de São Paulo, as cidades-sede do torneio, resolveu usar o ano de 1998 como base. Então, foi o Vasco, como campeão da América, e o Corinthians, como campeão brasileiro. [O Timão acabou vencendo o campeonato brasileiro também em 1999, mas o convite foi pelo ano de 1998.]

Joga-se o torneio com 8 clubes: os 6 campeões continentais, o campeão do mundo [i.e., da Intercontinental de 1998], e o campeão do país-sede. A final foi entre Vasco e Corinthians. O Corinthians foi campeão.

III. O PÓS-MUNDIAL

Em dezembro de 2000, uma nova edição da Intercontinental aconteceu como se nada tivesse ocorrido. O Boca Juniors venceu o Real Madri e foi campeão do mundo.

Em 2001, a FIFA não realizou seu mundial – apesar de anunciado. A Intercontinental seguiu, com o Bayern batendo o Boca.

Em 2002, nada da FIFA. Já a Intercontinental teve o Real Madri contra o Olimpia, com os espanhóis vencendo o confronto.

Em 2003 e 2004, a FIFA de novo só assistiu a Intercontinental dar o título de “campeão do mundo” – em 2003, ao Boca, que venceu o Milan; e, em 2004, ao Porto, que bateu o Once Caldas. Ambas as decisões foram nos pênaltis.

Em 2005, a FIFA finalmente disse “chega”. Como dito, no fim do ano, ela realizou o torneio no Japão.

O São Paulo bate o Liverpool na final, depois de derrotar o Al-Ittihad na semifinal, e foi, de acordo com a FIFA, o “segundo clube campeão do mundo”. O primeiro tinha sido o Corinthians, em 2000.

Em resumo, a FIFA perdeu a queda-de-braço com a Intercontinental. Foi lá, tomou o torneio, e fingiu que a derrota nunca aconteceu.

Só que não teve coragem de anular o título corintiano. Então, ficou uma edição perdida, diferente de todas as outras; com nada tendo acontecido antes e nem por cinco anos depois dessa.

Cinco anos; cinquenta anos… Para a História, não faz muita diferença. Se o título do Corinthians vale, há outras edições perdidas a considerar.

IV. AS COPA RIO

Quando o Corinthians esfregou o título mundial na cara do Palmeiras em 2000, o Palmeiras foi na sua sala de troféus e respondeu: “se isso é título mundial, eu tenho este igual.” E é, de fato, igualzinho.

Em 1951, a FIFA empolgada com o sucesso da Copa do Mundo do Brasil resolveu fazer uma edição de clubes. Em 1951, não havia campeões continentais. Não havia um campeão brasileiro oficial.

Então, a FIFA convidou campeões dalgumas principais ligas da época: Itália, França, Portugal, Áustria, Iugoslávia, Uruguai, São Paulo, e Rio de Janeiro. As sedes foram São Paulo e Rio de Janeiro, e foi disputada por oito clubes. O Palmeiras foi campeão – venceu a Juventus na final.

Diferentemente de 2001, em 1952, a FIFA até realizou o torneio novamente. Foi no mesmo lugar, mas já não foi tão prestigiado, com três clubes não-campeões participando. O Fluminense ganhou do Corinthians.

Não houve terceira edição em 1953. Uma terceira edição até ocorreu, mas em 2000. Não houve uma quarta. [¿Seria o novo torneio, a ser realizado em 2025?]

RESUMINDO

Em suma, o que a FIFA chama atualmente de “Club World Championship” nada mais é do que a “Copa Intercontinental” repaginada. O título conquistado pelo São Paulo em 2005 é mais semelhante aos títulos que o clube vencera em 1992 e 1993 do que com o do Corinthians em 2000.

Não pode haver dúvidas da legitimidade dos títulos mundiais conquistados entre 1960 e 2004. [Fato que silenciosamente a FIFA admitiu em outubro de 2017, diga-se.] A única exceção é justamente o do Corinthians em 2000.

Se esse é válido, os títulos de 1951 e 1952 também o são.

Isso era o que eu tenho para dizer. Agora, os brancos que se entendam…

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