“Democracia é quando eu governo.” (ninguém diz, mas…)
O que significa “democracia”? Até que ponto os limites à democracia a preservam? Somos, de fato, democráticos?
Caro leitor, poderias por gentileza definir “democracia”?
Parece um conceito simples e universalmente aceito. Agora, eu te desafiaria a fazer a pergunta acima a diversas pessoas. Pode ser aquelas próximas a ti. Eu não me espantaria se houvesse respostas variadas. Mas, primeiro, qual seria a tua resposta?
– É o governo do povo.
Obrigado. Essa é uma resposta comum. “Democracia” tem origem grega, junção de “demos + kratia” (povo + governo). Tal definição, portanto, é tautológica; uma redundância. Precisamos encontrar o significado de “povo” e de “governo”. Não te preocupes. Ajudar-te-ei.
Para “povo”, há pelo menos duas definições diferentes. Um dicionário aqui me dá seis, mas só duas dessas nos interessariam por ora. “Povo” pode ser sinônimo de “população” ou de “plebe”. Pode significar tanto “todo mundo” quanto só “os pobres”.
No “Político” de Platão, aprende-se que “governo de todos”, “governo dos pobres”, e “governo da maioria”, apesar de diferentes, todos recebem o mesmo nome: democracia. Contudo, a primeira encontrava-se entre os “regimes verdadeiros”; e as últimas, entre os “falsos regimes”. Ainda assim, falamos de “democracia” como se tivesse significado unívoco; inequívoco.
“Governo” esbarra em problema similar. Na democracia ateniense, por exemplo, não havia uma burocracia profissional. A administração da “coisa pública”, isto é, de tudo aquilo que remete à comunidade, era feita diretamente pela própria comunidade.
Em Atenas, apenas os comandantes militares eram eleitos. Os demais cargos eram sorteados. O serviço militar competia a todos os cidadãos, assim como a elaboração e aprovação de leis. Assim, se procurava garantir que o “governo” fosse realmente exercido pelas pessoas, pelo “demos”, pelo povo.
– Esse é um exemplo de democracia direta. A nossa é “representativa”. O povo elege representantes que governam em seu nome.
Verdade, leitor. (CF/1988 – art. 1º, § ún.) O nosso caso é diferente. Há uma razão para eu ter falado da burocracia. Essa, por exemplo, não é eleita. Em compensação, é quem, de fato, exerce a administração pública. E, mais, é responsável por elaborar a maior parte das leis que nos regem.
Um exemplo recente é o atrito entre o governo federal que acabamos de eleger com o Banco Central, cujo presidente foi nomeado pelo governo anterior – que perdeu a eleição. Outro exemplo são agências reguladoras; criadas justamente para que setores da economia fossem blindados dos efeitos da inconstância política.
Consegues perceber o problema, leitor?
Limitamos a democracia à realização de pleitos periódicos para chefe do Poder Executivo e para os membros do Poder Legislativo, mas retiramos deles poderes para realizarem os papéis para os quais foram eleitos. Criamos regras e estruturas anti-democráticas, ao mesmo tempo em que desejamos preservar a democracia. Até onde isso é possível?
Eu tive um professor de faculdade que chamava o fundamento da nossa politeia de “Estado Social-Democrático de Direito”. A inclusão do “social” é relevante, pois acrescenta um adjetivo ao “democrático”. É um “democracia, sim, mas…” Até entendo. Porém, esse “mas” é traiçoeiro.
No oráculo de Delfos, na Grécia, havia uma inscrição: “Nada em demasia.” Democracia sem peias, liberdade sem restrições, são fontes de enormes perigos. De fato, é preciso impor limites. Contudo, isso vale inclusive para os limites! Se o “Social” se torna mais importante que o “Democrático”, o que sobra de democracia?
Não há democracia sem política. Não existe democracia sem que a população participe politicamente do governo. Política se faz tendo que aceitar coisas que, na nossa opinião, são inaceitáveis.
Isso, no entanto, ninguém quer fazer. Sendo assim, quem é de fato democrático?
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Perfeito. Somos uma oligarquia de burocratas e políticos profissionais que comem pastel na rua para fazer cara de povo. Um circo.
Obrigado. Só achei um pouco desrespeitoso com o pessoal do circo! 😉
Falando sério, nunca é de todo ruim. O principal problema é não se reconhecer por aquilo que é. Jamais vai funcionar assim. Até o que poderia ser bom e vantajoso se perde.
Sim, claro. Apenas um ajuste de medidas entre linguagem e realidade. É como remover o excesso de maquiagem de uma mulher sem o rigor de exigir que ela esteja de cara limpa.
Exatamente. É preciso encontrar a medida.
lembro sempre do Max Weber, em parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruida, presidente do reich ou até mesmo a política como vocação, esse “conflito” na política moderna entre a classe política eleita pelo voto popular e a burocracia não eleita numa era marcada por políticos profissionais. essa é só a pontinha do iceberg da política moderna.
Pois é. A política moderna, apesar de basear-se em ideais democráticos, acaba resultando justamente no inverso.
Me parece ser muito mais uma oligarquia de burocratas e políticos profissionais.