SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Muito Além do Futebol

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Aqui na terra, tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

(Chico Buarque – ‘Meu Caro Amigo’)


Este é o Brasil agora.​

Após o título de 2002, isto é o que nós nos tornamos. Eu não sei quantas vezes mais derrotas como a desta Copa terá que ocorrer para que vasculhemos nossa alma.

Nalgum momento, nós tomamos uma vereda equivocada e, desde então, não fizemos nada para corrigir a rota. NADA! ​

Nesse período, justiça seja feita, o Brasil conquistou torneios:

– 3 Copa América (2004, 2007, 2019) em 7 edições;
– 3 Copa das Confederações (2005, 2009, 2013) em 5 edições;
– 2 Jogos Olímpicos (2016, 2020) em 5 edições;
– 2 Mundial Sub-20 (2003, 2011) em 9 edições;
– 2 Mundial Sub-17 (2003, 2019) em 9 edições.

Porém, nenhum desses tem a importância da Copa do Mundo. E na Copa do Mundo, o Brasil chega nas quartas-de-final e falha.

Historicamente, para o Brasil, chegar nas quartas-de-final é a regra.

Desde 1938, só deixamos de chegar entre os quadrifinalistas duas vezes: 1966 e 1990. Nas quartas é que a Copa efetivamente começa para nós.

Sendo assim, desde 2006, nós só vencemos na “estreia” uma vez – e foi em casa contra um adversário sul-americano. Longe do Brasil, contra europeus, foram quatro eliminações.

Não que seja fácil jogar quartas-de-final. Nossas vitórias em 1994, 1998, e 2002 foram todas sofridas: 1994, 3-2 Holanda; 1998, 3-2 Dinamarca; 2002, 2-1 Inglaterra. Nossas derrotas desde então foram todas apertadas.

Mas nossas equipes vencedoras eram capazes de superar tais dificuldades. As perdedoras, não. Não temos mais algo que tínhamos.

Eu gostaria de saber qual são as causas desse problema, e quais as ações que deveríamos tomar para resolvê-lo. Não faço idéia.

Quem dera eu soubesse! Contudo, só sei que está errado.

Eu não tenho resposta positiva para isso. Eu só tenho perguntas.

Para um amigo meu o problema seria “falta de adultos na sala; gente competente, responsável, com visão de futuro.

Agora, por que faltam? Onde estão? Como trazê-los para os lugares que devem ocupar?

Isso eu não sei.

No futebol, o último dirigente competente que tivemos foi o Ricardo Teixeira.

Muito pouco se fala da revolução que foi o calendário de 1989.

O Brasil passou a dominar a Libertadores. O Brasil passou a dominar a Copa América. São coisas que nunca tínhamos feito antes.

Na Copa do Mundo, errou-se com Lazaroni em 1990, mas havia um plano. Esse plano nos deu 1994, 1998, e, ainda que com percalços, 2002.

Foi tudo casado. Não é coincidência.

Porém, o próprio Ricardo Teixeira perdeu a mão. Desde então, temos pouco.

O Brasil foi até bem nesta Copa, mas tremeu nas quartas. Mais uma vez! A história se repete.

O Brasil TREME. É fato, e não é de hoje.

Comparemos com 1958. Cadê o Didi, para pegar a bola no gol e acalmar o time? Cadê o Havelange para buscar preparador físico de ponta, psicólogo revolucionário, etc.?

Não há resposta…

Diga-se, isso é mais que futebol. No futebol só é mais fácil de ver.

Já são CINCO Copa do Mundo. São duas gerações de jogadores. É uma geração de BRASILEIROS.

​Em Copa do Mundo, eles só conhecem derrotas nas quartas ou o 7 a 1. Sinceramente, eu não tenho palavras para descrever o quão ruim isso é.

​Pode parecer bobagem, raiva pós-jogo, exagero de um coração despedaçado, mas não é. Para entender, é preciso ter mente o que é o Complexo de Vira-Lata.​

​Se não somos bons no futebol, somos bons em quê, exatamente?

Somos ótimos em muitas coisas, porém, historicamente, falhamos em enxergar isso. O futebol, ao menos, servia de antídoto.

​Portanto, não foi somente uma derrota nos pênaltis. Isso vai muito além do futebol.

​O que testemunhamos foi mais uma manifestação de uma PROFUNDA crise CULTURAL com a qual temos nos mostrado incapazes de lidar. ​

Se não conseguimos enfrentá-la através do futebol, como esperar que consigamos resolvê-la em outras áreas?

​E já se passaram 20 anos…​

3 COMENTÁRIOS

  1. Há que ser muito fanático por futebol pra associar a crise moral, política e cultural por que passamos, com a porra do futebol.

    Penso existamente o contrário. Jesus ensinou-nos: “buscai primeiro o reino de Deus, a sua justiça e as demais coisas vos serão acrescentadas”.

    Temos que enfrentar a crise cultural com livros, papel, lápis, com arte, com filosofia, e não com bola. Não é o “complexo de vira-latas”. Que nos faz perder um bosta de campeonato, é, ao contrário, um profundo complexo de superioridade, é o fato de acreditarmos em idiotices como “camisa pesada”, que talento supera disciplina, e de termos essa cultura de confiarmos atividades que exigem competências a amiguinhos, como sempre fez Tite e que Parreira tentou fazer em 1994 com Romário.

    Futebol não vai nos redimir, tampouco mudar nossa sociedade para melhor. Ao contrário, uma sociedade mais culta, mais forte economicamente é que pode organizar um futebol melhor.

    • Quanto ao teu primeiro parágrafo, lamento por enxergares assim. Contudo, depois, te engajas no debate trazendo bons argumentos. Sinceramente, não sei se te xingo ou te agradeço!

      Eu não vejo a mínima contradição entre “livros, papel, lápis, arte, filosofia” e “bola”. Para mim, estão interligados. É impossível negar o ímpeto humano ao jogo, à brincadeira, à encenação. A diferença está em como encaramos estas atividades, e a chave para isso tu mesmo deste.

      Na relação entre futebol e cultura, quem carrega quem não me parece muito importante. São recortes de uma mesma sociedade. Carecemos de paradigmas de excelência. O futebol provém um. Quando nem o futebol faz isso, temos um problema.

      A exaltação infundada é tão grave quanto o “Complexo de Vira-Lata”. Não basta achar-se bom. Tem que saber porquê. Esse é justamente o ponto.

      Me decidi! Muito obrigado pelos comentários.

      Um abraço.

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