SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Luciano Hang e o Movimento Anti-Esmola

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

¿E qual é o problema de a pessoa estar na rua?


Luciano Hang começou uma campanha contra a esmola. Ele está absolutamente equivocado. Nesta semana, trato do tema.


Terça-Feira, 10 de Tercembro de 525

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No dia 24 de maio (ou 7 de Tercembro) último, Luciano Hang – o careca da Havan – postou o seguinte nas suas redes sociais:

Não dê esmola!
Junto com o conselho de entidades “por uma Brusque melhor”, estamos promovendo uma campanha de conscientização para alertar a população sobre os impactos negativos de dar esmolas nas ruas. Apesar da boa intenção, esse gesto acaba mantendo as pessoas na rua. Quem consegue dinheiro fácil, não procura ajuda, não busca tratamento e não aceita programas que poderiam mudar sua vida.
Recentemente o Bruno Souza, secretário de Assistência Social de Florianópolis, foi conversar com moradores de rua e pasmem, com Bolsa Família e esmolas eles ganham mais que alguém com carteira assinada. Por isso, esse assunto é tão importante!
Nos últimos anos, o número de moradores de rua se multiplicou por 14. Só em 2024, houve um aumento de 25% em relação ao ano anterior. Esse crescimento mostra que estamos diante de um problema sério, que precisa ser resolvido antes que seja tarde demais.
Percebo que muitas pessoas, entidades, vereadores e prefeitos estão focados em resolver esse problema. Por isso, cobre as autoridades da sua cidade caso não estejam fazendo nada. Não podemos deixar essa situação sem solução. Concorda?

Discordo veementemente. Há tantas falácias na postagem que é até difícil pensar por onde começar.

Aceitemos, para fins argumentativos somente, a hipótese de que as contribuições voluntarias possam servir de causa para que determinadas pessoas se contentem em ficar mendigando nas ruas. Ainda assim, essa razão é insuficiente para se fazer campanha contra esse tipo de caridade. Pelo contrário, se o número de pessoas em tal situação aumentou, há uma maior necessidade de ajudá-las.

Não há o que ganhar se o argumento for de que, para o bem do outro, se faz necessário que eu deixe de realizar algo bom. Portanto, ainda que Hang tivesse alguma razão (não tem), nem no alvo que ele quer atingir ele acerta.

Não são os R$10, R$20, ou R$50 eventuais que alguém porventura dê a causa para a pessoa estar na rua ou deixar de lidar com seus problemas. Nota que o Hang fala em “Bolsa Família e esmolas”. Ou seja, até ele admite haver mais questões envolvidas do que as esmolas. Há o auxílio governamental.

Agora, se há tal auxílio, ¿isso seria motivo para que as pessoas deixem de praticar uma boa ação? Se isso fosse um problema (não é), ¿a solução passaria por promover um “desamor ao próximo”? Se houvesse motivo para reclamar de algo, esse não seria do ato voluntario e direto do indivíduo em favor de uma pessoa em necessidade; mas da impessoalidade do auxílio governamental.

A ajuda voluntária não diz respeito apenas ao ajudado, mas também a quem ajuda. O ato de caridade traz benefícios mútuos, e a esmola é um ato de caridade. Ademais, trata-se de ato cujo fim é a própria ação. Falar das consequências é irrelevante.

Primeiro, se o outro desperdiça as oportunidades recebidas, é triste e acontece, isso é com ele. Faz-se o que se pode. Para o resto, reza-se. Eu mesmo já desperdicei diversas oportunidades na vida. Eu posso e tenho que entender as fraquezas do outro. Essas não justificam eu deixar de fazer-lhe o bem.

Segundo, se não houvesse o Bolsa-Família e estivéssemos diante do mesmo quadro social, o discurso do Hang ainda estaria equivocado. ¡Os esforços de caridade deveriam ser louvados! Logo, deveríamos estar promovendo a esmola para que o programa do governo se tornasse desnecessário.

Outrossim, é evidente, ou deveria ser evidente, que a esmola não é o único modo de agir com caridade para com o próximo. Só que atos de caridade não são mutuamente excludentes. Pode-se fazer pelo próximo diversas coisas diferentes, inclusive ao mesmo tempo. Dar esmola não impede e nem reduz outras ações. ¿Qual é o motivo para ser contra, pois?

Para encerrar, a Esquerda fala um monte de barbaridades sobre a Direita. É absolutamente ridículo e contra-producente tentar provar que eles têm razão. De todos os gastos governamentais, programas sociais como o Bolsa-Família deveriam ser os últimos da lista para corte. Não apenas esses correspondem a um percentual irrisório do orçamento, como sua finalidade é absurdamente mais nobre do que outros custos arcados pelo erário.

2 COMENTÁRIOS

  1. Não sou a favor de dar esmolas — e isso não é falta de compaixão.

    Tem uma forma simples e poderosa de avaliar nossas decisões: as três regras morais, que muita gente conhece só as duas primeiras:
    1. Isso me prejudica?
    2. Isso prejudica outra pessoa?
    3. E se todo mundo fizesse isso sistematicamente — o mundo melhoraria ou pioraria?

    Essa última regra é a mais esquecida, mas a mais importante. É o que Kant chamava de agir como se sua ação virasse uma lei universal.

    No caso da esmola: se todos derem dinheiro sempre que alguém pede, o incentivo ao trabalho, à recuperação e à estruturação da vida desaparece. Cria-se um ciclo de dependência, e não de reintegração.

    Exemplo pessoal: já há décadas não dou um real a nenhum morador de rua, mas todos aqui da minha região me conhecem. Converso com eles no semáforo, dou atenção, chamo pelo nome, sei as histórias. Já indiquei várias vezes o albergue da cidade (muitos recusam, porque lá não podem usar drogas — e sim, álcool é droga também). Já vi um deles tentar internação — não deu certo, mas tentou.

    Não me sinto mal por não dar dinheiro. Porque eu ajudo de verdade — com respeito, com escuta, com direção. Isso vale muito mais.

    Ajudar não é dar o que pedem. É oferecer o que liberta. Dar esmola é um tipo de caridade que julgo imoral.

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