RESENHA | Leonard Cohen e a chama que não se apaga

Lobo
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A morte é o momento em que todos os olhos se voltam para o poeta pela última vez

Leonard Cohen, de forma muito modesta, costumava dizer que seu talento como poeta ou músico era limitado, já que se referia sempre aos mesmos tipos de músicas ou temas: sexo, perda, morte, Deus, sua própria inépcia e a beleza das mulheres.  

Mas pergunto eu: não seriam estes os temas de extrema relevância para a espécie humana? 

Cohen, com maestria e uma voz poderosa como a dos deuses, mesmo agora sentado próximo a eles, continua a sussurrar mensagens em nossos ouvidos.

Reza a lenda que num encontro entre Bob Dylan e Cohen, este, um fã assumido, perguntou quanto tempo Dylan levava para fazer uma música e o poeta respondeu algo em torno de 15 minutos. 

Bob, um apaixonado pela icônica “Hallelujah” de Cohen, então perguntou ao colega quanto tempo levou para escrevê-la. 

Meio sem jeito, Cohen respondeu: cinco anos. 

O hino de espiritualidade confusa, misturando um pouco da tradição judaica na qual ele nasceu, histórias do Novo Testamento, pelas quais ele ficou fascinado, e o budismo que ele praticou no monastério da Califórnia, foi regravada por muita gente e tornou-se o maior hit do homem que nunca buscou hits. 

Quando um poeta parte para sempre, assim como Cohen fez em 2016 rumo à eternidade, os editores se apressam em imprimir quaisquer restos que estejam perdidos nas gavetas do escritor ou transbordando de sua lixeira.  

Charles Bukowski é um exemplo desta sede sombria de resgatar aquilo que por ventura jamais foi publicado pelo poeta em vida, seja pela falta de interesse dos mesmos editores agora sedentos pela carne, quanto pelo desejo do próprio autor de não mostrar jamais tais confissões poéticas. Buk, que só tornou-se reconhecido quase próximo da terceira idade, após sua morte teve publicado (e ainda continua) dezenas e dezenas de livros com restos de sua  poesia por décadas e décadas ignorada. 

A morte é o momento em que todos os olhos se voltam para o poeta pela última vez; talvez porque é lá que esteja o abismo e como já dizia outro gênio bastante ignorado em vida, Friedrich Nietzsche, “quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”.

Leonard Cohen — poeta, romancista, compositor e uma espécie não muito comum de cantor — assumiu com relutância seu último ofício, que ironicamente o tornou uma estrela. 

Assim como Jim Morrison, Cohen nunca foi muito levado a sério como poeta, mas diferente de Mr. Mojo, teve vários livros publicados ainda em vida, inclusive um romance, mesmo que a maior parte das obras sejam coletâneas de suas letras. 

“Hallelujah”, “Suzanne”, “So Long Marianne”, “Tower of Song” e “Bird on the Wire” (brilhantemente imortalizada por Johnny Cash) são exemplos do trabalho artesanal e atemporal produzido por Cohen. 

Em 2005, depois de abandonar o mosteiro, Cohen descobriu que havia sido roubado por seu gerente financeiro, e perdido assim todas as suas economias para uma aposentadoria tranquila, vendo-se obrigado a voltar aos palcos. 

E então um senhor, com mais de 70 anos de idade, embarcou numa turnê de dois anos interpretando músicas antigas e dando vida a novas. 

Em 2012 ele lançou o álbum “Old Ideas”, um álbum lindamente meditativo e pensativo, feito de maneira orgânica sem os sintetizadores chatos que o seguiram por um bom tempo. Dois anos depois veio “Popular Problems”, trabalho que finalmente veio a se assemelhar aos murmúrios da vida com seu álbum de despedida, “You Want It Darker”, lançado apenas algumas semanas antes de sua morte em 2016. 

Cohen continuou escrevendo até sua hora final e, para a alegria dos fãs, seu filho organizou uma coletânea que envolveu poemas, trechos de cadernos particulares, letras e autorretratos desenhados à mão, um olhar íntimo sem precedentes dentro da vida e da mente de um artista singular, o genial e eterno Leonard Cohen. 

“A Chama”, livro de quase 600 páginas, lançado no Brasil pela Cia. Das Letras, é o capítulo final da admirável vida do poeta e letrista que mergulhou nas profundezas de nossas questões mais sombrias, cutucando a ferida naquele ponto que mais dói, sem a pretensão de nos curar, mas talvez apenas tentando nos apontar alguma luz nas pequenas labaredas da poesia. 

***

Editora: Cia das Letras, 1ª edição (19 de abril de 2022);

Idioma: Português:

Capa Comum: 608 páginas;

Preço: 99,90.


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