O acidente com o navio ‘inafundável’ foi um marco para a mídia sensacionalista
Em Uma noite fatídica (A night to remember, 1955), Walter Lord contou que o naufrágio do Titanic, na noite fatídica de 14 de abril de 1912, havia sido a primeira cobertura sensacionalista da mídia mundial no século XX. Antes do iceberg, dos botes salva-vidas e do quarteto de cordas no convés, as pessoas escandalizavam-se com as intrigas aristocráticas nos jornais. Porém, a nobreza agora estava a bordo e era vítima da maior tragédia que os redatores daqueles jornais jamais escreveram.
As fofocas palacianas eram praticamente os únicos atrativos dos jornais da época, porque isto que hoje chamamos de “classe artística” ainda não havia tomado a forma desta quimera intrometida que dita o comportamento de todo mundo. O acidente com o inafundável transatlântico matou 1503 pessoas — segundo a comissão do British Board Trade –, um marco não só para as mudanças nas regras de segurança naval, mas para os métodos dos caçadores de notícias também.
Seis anos antes do Titanic levantar âncoras e zarpar para a sua fatídica viagem inaugural, os jornais digladiavam-se em defesa — nem sempre honesta — da causa do verdadeiro inventor do avião. Na primeira década do século XX, os leitores de periódicos americanos, franceses e brasileiros divertiam-se em tomar partido da causa dos irmãos Wright ou da de Santos Dumont. Com notória queda de brasileiros e franceses para este último.
O fin de siècle foi um período de inovação também para a prática do jornalismo, que se tornou excessivamente sensacionalista, quase amoral. Os donos dos jornais, os chefes das redações perceberam a oportunidade de ouro: ganhar dinheiro instigando a curiosidade do público. Há relatos que descrevem como, na manhã de 15 de abril de 1912, as pessoas interpelavam, com a voracidade de um cachorro magro, os garotos jornaleiros de Nova York. Eram as primeiras manchetes que anunciavam o naufrágio do Titanic.
Os métodos de investigação, as estratégias de pesquisa de campo, os assédios das entrevistas e a cobertura jornalística como um todo tornou-se uma necessidade básica: agora é preciso matar a fome de curiosidade das massas. Era o espírito da época. Contudo, como faziam pressentir os rumores, as mil e quinhentas vítimas da tragédia do Titanic teriam o impacto de uma nota de rodapé nos mesmos jornais que, dois anos depois, venderiam as manchetes sobre os horrores da I Guerra Mundial.
Com informações de Lord, Walter, Uma noite fatídica, O clássico relato das horas finais do Titanic, tradução de Tomás Rosa Bueno, Três Estrelas editora, 2012, São Paulo, SP.
“O homem mediocre não acredita no que vê, mas no que aprende a dizer”.
— Olavo de Carvalho
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