ENTREVISTA | Setembro Amarelo e o sentido da vida

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Dr. Miguel Rezende, psiquiatra, e Willian Penante, psicólogo, falam sobre o mês da prevenção ao suicídio

Você conhece a história do Setembro Amarelo, mês da prevenção ao suicídio? Conhece as principais causas do suicídio, e sabe como fazer para preveni-lo entre amigos, familiares, colegas de trabalho, ou mesmo estranhos? Para saber mais sobre essa epidemia da modernidade, que vem piorando significativamente nos últimos anos, e como preveni-la, leia a entrevista abaixo, com o psiquiatra Dr. Miguel Rezende, e o psicólogo Willian Penante.


Revista Esmeril: Falem um pouco sobre a origem e o significado do Setembro Amarelo.

 

Dr. Miguel Rezende e Willan Penante: A campanha do Setembro Amarelo foi inspirada na história de Mike Emme, que cometeu suicídio aos 17 anos, em setembro de 1994, nos Estados Unidos. Ele tinha um Mustang amarelo que levou 3 anos para restaurar, e sempre dizia – e todos achavam que era uma brincadeira – que ele se mataria com o carro quando estivesse pronto. Fato que efetivamente ocorreu. E no dia do seu velório, os pais e amigos distribuíram cartões com fitas amarelas e frases motivacionais para pessoas que pudessem estar enfrentando transtornos mentais e emocionais. Além disso, havia uma outra frase que dizia:

Se existe uma dor, converse com uma pessoa de sua confiança.

Nos dias subsequentes, religiosos, professores, pessoas mais velhas da família receberam uma carga enorme de pedidos de ajuda.

Essa historia se alastrou por vários estados americanos, e chegou ao conhecimento da OMS, tornando-se uma campanha mundial.

As fitas amarelas se tornaram o símbolo da campanha, que foi adotada em 2015 no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que hoje tem como Marca Registrada.

A campanha começou no Brasil logo depois do Outubro Rosa – mês da prevenção ao câncer de mama – e do novembro azul – mês de prevenção ao câncer de próstata. Setembro foi o terceiro mês a ganhar uma “cor especial” no país.

 

Revista Esmeril: Quais são as principais causas do suicídio?

 

Dr. Miguel Rezende: 98 % dos pacientes que tentam o suicídio, tem como base um transtorno psíquico, tais como depressão, ansiedade, transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia, transtorno borderline de personalidade, dependência química e outras.

Separação conjugal, abusos sexuais na infância, desemprego e conflitos familiares também constam entre as causas do suicídio.

 

Willian Penante:  Esta é uma questão complexa e multifatorial.Quase que a totalidade dos casos é causada por transtornos mentais, principalmente a depressão, que nos casos mais graves é chamada de transtorno depressivo persistente (distimia). Nestes casos, as pessoas vão perdendo o “sabor da vida”, se entristecem profundamente, não veem solução para os problemas do dia a dia, sentem-se solitárias, isolam-se, têm problemas de sono (que pode ser insônia ou sono frequente), podendo ter transtornos alimentares e até chegar ao uso de drogas. Isso faz com que o suicídio seja visto como uma solução.

Também pode haver questões relacionadas a traumas, como abusos sexuais, separações, perdas de entes queridos, por exemplo, que geram desespero, e angústia. Há também quem recorra ao suicídio diante de doenças crônicas ou terminais, como forma de “antecipar os fatos” e abreviar o sofrimento causado pela situação.

Atualmente, entre os adolescentes, há também muitos casos de suicídio relacionados ao bullying.

Em todos estes casos, as pessoas recorrem ao suicídio não com o intuito de tirar suas vidas, mas para “matar a dor”. Pelos relatos de todas as pessoas que têm ideia de suicídio, o que se verifica é a presença de uma dor muito intensa, e da perda do sentido para a vida.

 

Revista Esmeril: Como é feita, na prática, a prevenção ao suicídio?

 

Dr. Miguel Rezende: Na prática, a prevenção tem que ser feita por pessoas próximas, que precisam observar mudança no comportamento de quem pensa e tirar sua própria vida. Aqui vão alguns sinais:

• Diagnóstico de doença psiquiátrica;

• Tentativa prévia de suicídio;

• Histórico familiar de comportamento suicida;

• Presença de outros comportamentos auto lesivos;

• Abuso e dependência de álcool e outras drogas;

• Comportamento impulsivo.

 

Willian Penante: Em primeiro lugar, conversar sobre o assunto, principalmente sobre as causas do suicídio, e sobre as saídas para esse problema, essa ferida social. Deve-se incentivar as pessoas a falarem a respeito de suas angústias. Isso já faz com que se desanuvie a ideia de suicídio e com que se organizem seus pensamentos.

Em segundo lugar, deve-se instrumentalizar as pessoas para que elas possam lidar com seus problemas, com momentos e eventos que fortaleçam a autoestima, por exemplo.

O fortalecimento da fé e dos vínculos familiares e de amizade também são muito importantes nesse processo.  Os grupos mais vulneráveis emocionalmente, e seus familiares, devem manter contato com bons profissionais de saúde, que podem ser encontrados nos CAPES, por exemplo.

Os familiares das pessoas que têm ideia de suicídio ou histórico de tentativas também devem ficar atentos para reduzir os meios de suicídio, tomando cuidados com armas e objetos que podem servir para esse fim em casa, remédios, venenos etc.

 

Revista Esmeril: Em sua experiência profissional, já lidou com pacientes com ideia de suicídio? Como procede em tais casos?

 

Dr. Miguel Rezende: No dia a dia do consultório lidamos diretamente com casos assim. O procedimento vai desde medicação e tratamento em regime ambulatorial a, nos casos mais graves, a internação em unidade de psiquiatria.

 

Willian Penante: Infelizmente, sim. Na instituição de ensino onde trabalho, há alguns anos, houve o caso do suicídio de uma estudante. Fui procurado por alguns colegas dessa aluna, que relataram um comportamento estranho por parte dela. Procurei por ela, mas não encontrei. Ela já havia cometido o suicídio.

Foi uma situação muito difícil. Naqueles dias, acabei atendendo outros estudantes e professores daquela adolescente, que ficaram impactados com o caso. Eu mesmo contei com uma rede de suporte, de colegas psicólogos.

Na época, um outro estudante, de uma outra escola da cidade, também havia cometido suicídio havia pouco tempo, e havia uma onda de ideação suicida entre os jovens. Foram formados grupos de apoio, entre os adolescente, na cidade. Tivemos que aprender a lidar com essa situação, inclusive com formação para os profissionais que lidam com esse grupo etário. Contamos com a ajuda da polícia civil, do Conselho Tutelar. Criamos na cidade, também, um grupo de intervenção rápida, para os casos mais graves.

Foram meses difíceis, com aquela verdadeira epidemia de ideação suicida entre os adolescentes, e aprendi na prática a lidar com a situação, seguindo os passos que relatei acima: deixá-los falar sobre seus problemas e angústias, escutá-los, acolhê-los; depois, instrumentalizar suas ideias, para que encontrem sentido na vida, criar uma rede de proteção com o apoio dos familiares, e nos casos mais graves, encaminhamento para psicoterapia e psiquiatras, para tratamento medicamentoso.

 

Revista Esmeril: Uma mensagem final aos nossos leitores sobre a importância do Setembro Amarelo.

 

Dr. Miguel Rezende: Tentativa de suicídio é uma emergência médica, mas pode ser prevenido quando a vida volta a fazer sentido. Lembrem-se: a vida é a melhor escolha. Cuidem-se, e cuidem dos seus!

 

Willian Penante: Vivemos uma época de uma verdadeira epidemia de suicídios no mundo. Em primeiro lugar, se você convive com alguém que já tentou suicídio, ou que tem ideação suicida, não julgue. Essas pessoas estão pedindo ajuda, e precisam ser tratadas com amor fraterno, compaixão, solidariedade, empatia.

Se você, leitor, já passou ou passa por essa situação, lembre-se: você vale muito. Sua vida é preciosa. Em algum momento, isso ficou obscurecido para você, e a vida perdeu o sentido – mas é possível ele ser recuperado. A vida tem sentido, tem um propósito, e você vai achá-lo. Se estiver muito difícil, peça ajuda. Existem tratamentos, existem soluções. Não há tempestade que não passe.


Encontrei o significado da minha vida ajudando outros a encontrarem o sentido das suas vidas.

– Viktor Frankl


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