ENTREVISTA | Para além do botequim e da militância

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Entrevista com Marize Schons, autora de O mínimo sobre Marx

Das salas de aula aos botequins e redes sociais, muito se fala sobre Karl Marx e o marxismo, na maior parte das vezes sem que os interlocutores tenham muita ideia do que estejam falando, o que faz com que um dos pensadores mais influentes de três séculos fique reduzido a mero senso comum.

Para entender mais sobre a importância e a influência do pensamento marxista no mundo e como Marx é estudado hoje no Brasil, conversei com Marize Schons, professora de teoria política na pós-graduação em Ciência Política e Direito no Mises Academy, docente no mestrado em Economia da Universidade Francisco Marroquín, e autora do recém publicado O mínimo sobre Marx, uma obra que sintetiza anos de estudos da autora e proporciona um ponto de partida para os estudos daqueles que, seja qual for sua posição política, queiram ampliar sua visão sobre um autor que, muitas vezes, fica limitado aos debates militantes.


Revista Esmeril: Qual a importância de Karl Marx para a história do pensamento?

Marize Schons: Além do impacto político e concreto que o pensamento de Marx produziu ao orientar ideologicamente regimes como o da antiga URSS, mais profundo ainda é como sua teoria social conseguiu influenciar diversas manifestações de pensadores posteriores, seja pelos intérpretes que absorveram algumas das suas ideias ou teóricos que responderam criticamente ao autor alemão. Por essa razão, independente da posição política de um intelectual, é muito difícil conseguir ignorar Marx, especialmente quando estamos falando do campo da história ou da sociologia. Inclusive, autores críticos como Leszek Kolakowski, Raymond Aron e Ralf Dahrendorf foram assíduos leitores dos textos de Marx apesar de serem, ao mesmo tempo, extremamente críticos não só do ponto de vista teórico, mas também político.

Revista Esmeril: Como Marx é, de maneira geral, compreendido, estudado, divulgado e ensinado no Brasil?

Marize Schons: Muitas pessoas imaginam que os cursos de humanidades são diretamente influenciados e limitados ao pensamento de Marx. Isso não é uma verdade. Pesquisas e núcleos especificamente marxistas são raros e isso não é só no Brasil, mas no mundo todo. A universidade é majoritariamente de esquerda, o que não significa que ela seja estritamente marxista no sentido ortodoxo do termo.

As pesquisas hoje estão muito mais dedicas às teorias que podemos identificar como pós-modernistas. O pós-modernismo não é uma escola de pensamento, mas sim uma moda intelectual. Nessa moda intelectual coexistem tanto elementos críticos a Marx quanto a absorção de postulados marxistas. Ou seja, a moda intelectual de hoje não é uma derivação linear dos textos originais de Marx, o que torna tudo mais complexo para o mapeamento dessas ideias.

Na minha época de faculdade (há 15 anos) as disciplinas relacionadas aos clássicos do pensamento social eram fundamentais para a nossa formação. Entretanto, infelizmente, essas disciplinas dedicadas aos clássicos estão desaparecendo por causa da tendência de questionar a posição histórica de “autores europeus” em favor de autores com identidades minoritárias como mulheres, africanos e latinos.  Por isso eu diria os estudos sobre Marx vêm perdendo espaço, restando um conhecimento raso que virou praticamente um senso comum.

Por outro lado, é preciso reconhecer que os textos de Marx e dos marxistas históricos são extremamente difundidos e de fácil acesso. Um exemplo disso é o site marxism.org, que disponibiliza gratuitamente textos da tradição marxista em praticamente todas as línguas. O equivalente em relação “ao outro lado” simplesmente não existe.

Revista Esmeril: Fale um pouco sobre seu livro O Mínimo sobre Marx, lançado recentemente. Qual foi a motivação para escrevê-lo e qual seu conteúdo?

Marize Schons: A motivação foi escrever um livro introdutório que pudesse orientar os estudos sobre Marx para um público que diverge politicamente da esquerda. Por mais que as esquerdas política e intelectual não sejam necessariamente marxistas, o núcleo do seu pensamento vai fazer referência a vários aspectos da obra original de Marx, e por essa razão faz sentido começar pelo patrono.

O livro é resultado do meu Seminário sobre a História do Pensamento Marxista que desenvolvi no ano de 2023. Minha preocupação é não reforçar os equívocos que são disseminados por causa do proselitismo político como, por exemplo, a crença de que Marx propõem uma teoria estritamente economicista.

Infelizmente, a vulgarização das redes sociais promove sujeitos que são falsas autoridades sobre o assunto. Esses influencers se aproveitam de pessoas que tem ânsia genuína por conhecimento e que acabam comprando cursos e produtos que não estão preocupadas com o rigor e a honestidade intelectual. Apesar da proposta introdutória, tentei fazer uma sistematização que não fosse mera simplificação.

Revista Esmeril: Para os leitores, estudiosos e curiosos que queiram se aprofundar mais em Marx e suas influências no mundo moderno, quais leituras você recomenda?

Marize Schons: Além do O Mínimo,que vai trazer uma sugestão de programa de estudos dos textos originais de Marx, aconselho muito a obra Principais Correntes do Marxismo, de Leszek Kolakowski, publicada pela Vide Editorial, e o livro O Marxismo de Marx, de Raymond Aron. Ambos os autores são críticos, mas em nenhum momento renunciam à técnica e a precisão teórica. 

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