ENTREVISTA | Música e alfabetização

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Professora Rosângela Andrade fala sobre a importância da música na alfabetização e formação das crianças

O que a música tem a ver com a alfabetização, e como ela pode, efetivamente, ser um instrumento salvador de nossas crianças, diante das defasagens educacionais do Brasil?

Sobre isso, conversei com a professora Rosângela Andrade, que, a partir de suas experiências de vida, há uma década orienta pais e professores com seus cursos on-line, e autora do recém-lançado O mínimo sobre alfabetizar com música.

Confira a entrevista abaixo, e uma Feliz Páscoa!


Revista Esmeril: Conte um pouco sobre a importância da música em sua formação.

Rosângela Andrade: Eu costumo dizer que a música me salvou, porque a minha formação escolar não foi das melhores. Não tive muito contato com livros de literatura na escola pública, que, para falar a verdade, era muito medíocre. Mas minha família tinha uma tradição musical. E no conservatório tive contato com uma cultura musical e humanística que ampliou meus horizontes. Então, aquela menina simples, com formação simples, pôde até sair do Brasil e se especializar em universidades norte-americanas.

Revista Esmeril: Fale sobre sua experiência como professora de música, e por que se decidiu a dedicar-se à música na primeira infância.

Rosângela Andrade: Meu primeiro contato com a primeira infância foi ainda na minha adolescência, dando aulas para crianças em minha igreja. Ali percebi que gostaria de me dedicar a isso. Percebi também que o que era ensinado para uma criança tinha impacto muito duradouro. Depois dei aulas em escolas de todos os tipos, públicas e privadas. Da educação infantil até o ensino médio e técnico.

Revista Esmeril: Fale sobre seu trabalho nas redes sociais, com os canais“Como educar com música” e “Do som à letra”.Qual seu público-alvo, e o que é oferecido?

Rosângela Andrade: O “Como Educar com Música” surgiu de duas experiências dolorosas. Em 2015, eu fui diagnosticada com câncer de ovário do pior tipo: carcinoma de células claras. Passei por 2 grandes cirurgias e perdi a capacidade de ser mãe novamente. Graças a Deus, o Heitor tinha nascido em 2014. Eu tinha ali uma perspectiva de no máximo 5 anos de vida. Mas, aconteceu um milagre divino! Um exame foi refeito e a metástase encontrada não era o que parecia ser… O médico ficou tão surpreso que até me dispensou da quimioterapia.

Bem, isso me deu um novo senso de existência e propósito. E, em seguida, outra dor. O Heitor não se comunicava e chegou a ser diagnosticado como autista. Então comecei a aplicar nele tudo o que sabia de música em conjunto com exercícios de consciência fonológica. Ele se desenvolveu e superou todas as dificuldades, revertendo o diagnóstico. Os médicos indicavam que ele teria dificuldades para ler e escrever, o que não aconteceu. Pelo contrário, hoje ele é um ávido leitor.

Foi a partir dessas experiências que resolvi compartilhar de forma pública com pais, mães, professoras, terapeutas – todos, enfim, que educam crianças – técnicas musicais aplicadas à ampliação da linguagem oral, à melhoria da atenção, e, por fim, a uma alfabetização eficaz. Em seguida, surgiu o “DoSom à Letra”, uma formação completa na qual eu ensino detalhadamente como alfabetizar de forma eficaz com a ajuda da música.

Revista Esmeril: Fale um pouco sobre seu livro recém-publicado,O mínimo sobre alfabetizar com música.

Rosângela Andrade: Esse livro é uma síntese da minha filosofia de ensino, com dicas práticas de como preparar uma criança para uma alfabetização eficaz com a ajuda da educação musical. E quando falo de educação musical, estou pensando em um sentido amplo, na abertura da capacidade de escuta. Porque ouvir é diferente de escutar.

As crianças atuais ouvem muito, mas escutam pouco. Ou seja, ouvem sem atenção, sem perceber os detalhes sonoros. Consequentemente, também não percebem os sons da própria língua. Sem isso, não conseguem corresponder as letras com os sons da língua, gerando um atraso noprocesso de leitura e escrita. No livro, existem links para vídeos com atividades práticas que qualquer educador, seja uma professora ou mãe, pode aplicar e ter resultados quase imediatos.

Revista Esmeril: Há algumas frases em destaque em seu livro, que selecionei e gostaria que comentasse aqui: I) “Alfabetização malfeita é algo tão grave que crianças mal alfabetizadas podem ser confundidas com crianças com distúrbios”; II) “Toda a aprendizagem,  e a aprendizagem da música não é exceção, começa pelo ouvido, e não pelos olhos”; III) “A atividade mais importante para a construção dos conhecimentos e das habilidades necessárias para a leitura é a leitura em voz alta”; IV) “Pela brincadeira, as crianças são ativamente envolvidas na compreensão do mundo que as cerca”.

Rosângela Andrade: I) Isso é o que colhemos dos dados levantados tanto pela Dra. Ana Luiza Navas como pelo Dr. Augusto Buchweitz. É uma “mania” das escolas e da pedagogia dominante. A criança está tendo problemas, então deve ter algum transtorno… Tudo para não admitir que estão usando uma metodologia ineficaz. E o tempo vai passando e aquele criança mal alfabetiza age como se tivesse algum transtorno mesmo.

II) Essa é uma frase do grande educador musical norte-americano Edwin Gordon. E é o princípio norteador da minha filosofia de ensino. O processo de alfabetização não é essencialmente visual, mas fonológico. Complementando, o neurocientista Stanislas Dehaene demonstrou com exames de ressonância magnética que nossos cérebros “preferem” informações auditivas a visuais. E aí novamente o contraste com a pedagogia dominante, que “enche” a crianças de estímulos visuais.

III) A leitura em voz alta não deixa de ser uma atividade de escuta. E na minha concepção também é uma espécie de música para a criança, principalmente se feita com variedade de expressões.

IV) Isso é muito importante, e Platão, na República, pontua que as crianças devem ser ensinadas como se estivessem brincando. No fundo, a música é uma grande brincadeira… Porém, isso não significa uma educação solta, sem currículo, sem objetivos claros. Ao contrário, do ponto de vista do educador, tudo deve ser planejado, com ensino explícito. Mas a criança sente como se fosse um jogo. É isso que tentei fazer com a técnica do Jogo-Lição.

Revista Esmeril: Para terminar: considerando-se o estado de defasagem de alfabetização em que já se encontram tantas crianças no Brasil, que dicas teria a dar a pais, e mesmo professores, dos pequenos que já estão mais crescidinhos, e que precisam de ajuda para sanar essa defasagem?

Rosângela Andrade: Eu recomendo 4 ações, que qualquer um pode aplicar. Para qualquer criança em qualquer idade.  Eu resumi essas ações na sigla LECC: Ler – Escutar – Conversar – Cantar. Leia em voz alta para as crianças. Treine a escuta delas. Converse com elas. Cante para elas. Essas 4 ações já mudaram a vida de milhares de crianças!


1 COMENTÁRIO

  1. Excelente escolha para a entrevista. O sucesso da Ro Andrade é merecidíssimo, eu mesma sendo professora de música veterana aprendo bastante coisa com ela e sou assinante do seu Portal do Som à Letra, que é super bem feito e completo. No portal ela e o marido, ambos educadores musicais, dão assistência e tutoram os assinantes bem de perto.

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